******************************NÃO contém spoiler******************************
Autor: Niklas Natt Och Dag
Editora: Intrínseca / Gênero: Thriller histórico / Idioma: Português / 432 páginas
1793, um ano repleto de conflitos políticos, início da revolução francesa, fundação do museu do Louvre, morte de Maria Antonieta e antecessor ao ano que marcou a Suécia com a morte do rei Gustav III. Um ano rico historicamente e marcado por acontecimentos aterradores e memoráveis. É nesse período histórico que somos jogados no romance de estreia do autor sueco Niklas Natt Och Dag. Um thriller de ficção histórica considerado o melhor thriller da Suécia de 2017. O romance em questão, vai muito além do gênero o qual pertence, se desenvolvendo de forma a destrinchar não somente o crime que dá início a trama, como vai fundo nas questões políticas e sociais do ano em que se passa a narrativa e que dá nome a obra.
É quando o ex-soldado e agora sentinela Mickel Cardell encontra um corpo flutuando no lago da ucharia, que embarcamos em uma trama intrincada de mistérios, onde tudo que sabemos, é que nada sabemos. Através de um desenvolvimento polivalente, o autor vai tecendo uma estória assustadora, recheada de descrições macabras, com uma ambientação panorâmica e com excelentes desenvolvimentos de personagens (um dos melhores que já li em um thriller). Dividido em 4 partes, 1793 apresenta diversos pontos de vista, em que cada parte é protagonizada por um personagem diferente e em um período distinto. O texto é estruturado de forma a se assemelhar com um livro de contos, onde as tramas se delineiam a príncipio de forma individual, se intercalando com o tempo e se unindo com o virar das páginas. Dizer que me surpreendi com o que encontrei, seria um eufemismo. Com um olhar crítico (digno do leitor exigente/chato que sou) fui virando as páginas tentando encontrar algum grande defeito que pudesse aqui apresentar. Mas eis que finalizei a leitura realmente surpreso com a qualidade do romance, ainda mais sendo de um escritor iniciante.
“[…] não tem braços nem pernas, todos amputados o mais perto do tronco que a serra conseguiu chegar. O rosto não tem olhos: foram removidos das órbitas. O que resta do corpo está subnutrido. Tem as costelas salientes. O abdômen está inchado dos gases, que fazem o umbigo destacar-se, mas, de cada lado do corpo, os ossos da anca aparecem por baixo da pele. O peito é estreito, ainda jovem, e não desenvolveu a largura de um homem adulto. As faces estão escovadas. Daquilo que em tempos foi um jovem, é o cabelo que está mais bem conservado. […]”
O livro já conquista logo nas primeiras páginas, entregando ao leitor dois personagens magníficos, que com suas personalidades sublimes, vão desenvolvendo uma amizade que encanta, surpreende e que nos puxa para a narrativa de forma que me senti em Estocolmo de 1793. Gostei tanto de Cardell e de Cecil Winge (um advogado incorruptível que se une ao primeiro na investigação do livro) que lembrei em alguns momentos de Sherlock Holmes e Watson, minha dupla favorita dos livros policiais. Com as quebras narrativas, acreditei que iria me incomodar e sentir falta dos “personagens centrais”. Mas as demais partes (que sucedem a primeira) são tão bem escritas e com personagens tão vívidos, que por diversas vezes cheguei a esquecer que estava lendo um thriller (onde um crime deveria ser desvendado) e me vi torcendo pelos novos personagens, enquanto roía as unhas ao acompanhar suas vidas e percalços.
1793 é muito bem escrito, muito bem desenvolvido e muito bem estruturado. Com um background histórico bem explorado, o thriller de Niklas Natt Och Dag se destaca por ir além do esperado. Trata-se de um romance rico, que conseguiu me deixar extasiado e em alguns momentos sem palavras. Se tem algo que ele não é, é superficial. Todos os personagens são excelentes, as discussões levantadas são pertinentes (o livro é mais um que aborda a origem do mal na sociedade) e o desenvolvimento apesar de as vezes se apresentar como algo deveras vagaroso, não deixa de ser algo a se admirar. As tramas são bem amarradas e o desfecho é satisfatório. Terminei a leitura desejando uma continuação e uma adaptação televisiva ou cinematográfica. Dessa vez os elogios que vem recebendo são justificáveis e merecidos. No meio de tanta mediocridade editorial que encontramos por aí, 1793 é um thriller que se destaca e que você deveria ler.
“Nunca percebi a lógica do Estado punir um assassinato matando um dos seus cidadãos, e de uma forma tão cruel. Mas a minha maior objeção é a seguinte: o tribunal não faz qualquer esforço para entender os réus. Como podemos impedir os crimes de amanhã se não entendermos os que foram cometidos ontem? A resposta, Jean Michael, é que as pessoas responsáveis nunca pensaram nisto. Pensam que o seu dever é julgar e punir, e nada mais. Muitos que eu próprio interroguei viram os seus dias terminarem no cadafalso. O meu único consolo é saber que ninguém foi executado sem ter sido ouvido; saber que fiz o possível para convencer o culpado da sua culpa e para me certificar de que todos tiveram a possibilidade de contar sua versão dos fatos.”