Mundo das Resenhas
A Peste: De quem é a culpa? A Peste: De quem é a culpa?
4.5
*****************************NÃO contém spoiler****************************** Autor: Albert Camus Editora: Record / Literatura Existencialista / Idioma: Português / 288 páginas A quem devemos culpar pelas mortes que... A Peste: De quem é a culpa?

*****************************NÃO contém spoiler******************************

Autor: Albert Camus

Editora: Record / Literatura Existencialista / Idioma: Português / 288 páginas

A quem devemos culpar pelas mortes que ocorrem, pelos medos e incertezas infindáveis e pelo constante processo de negação que alimentamos dia a dia? Deus ou a nós mesmos, meros mortais que insistimos em nos comportamos como se fôssemos inatingíveis? “A Peste”, obra-prima escrita e lançada em 1947 pelo escritor franco-argelino Albert Camus, incomoda, nos confronta e nos obriga a encararmos nossas incertezas diante do medo que sentimos da morte. Muito mais do que uma obra a ser lida no atual momento que enfretamos, o clássico de Camus trata-se de uma narrativa alegórica, direta e real que possui profundidade em suas camadas psicológicas e políticas, dialogando com o momento atual, ao mesmo tempo que traz à tona questões sobre humanidade, fé e esperança, despertando uma importante questão que todos deveriam refletir a respeito. Quem somos nós diante do desconhecido?

Com frases emblemáticas, questionamentos religiosos e uma ambientação claustrofóbica, o referido clássico se desenvolve de forma direta, verossímil e tangível, dialogando com a realidade de forma tão visceral que em alguns momentos me foi sufocante prosseguir com a leitura. Nos colocando na realidade ficcional da pequena cidade de Orã na Argélia, o autor nos imergi em uma narrativa assustadora, em que ratos começam aos montes a morrer de forma misteriosa, espalhando uma doença fatal entre os habitantes, dando assim, vida à uma epidemia. Entre processos de autonegação, dúvidas, medos e certezas, acompanhamos situações tão absurdamente parecidas com as que vemos atualmente, que seria cômico se não fosse trágico. Enquanto o número de mortes aumenta a cada virar de páginas, vemos a evolução narrativa com descrições incômodas de personagens se reunindo em “bares” (para comemorar sabe-se lá o que), o governo perdido sem saber como exatamente reagir, divulgações de números de mortes sendo realizados com a intenção manipulativa de atenuar a situação, e personagens tentando encarar tal tragédia como algo passageiro e sem grande importância. Vivemos a ficção em sua forma bruta ou na verdade estamos apenas em alguma obra ficcional de Albert Camus? Eu adoraria acreditar na segunda opção.

“[…] a partir do quarto dia, os ratos começaram a sair para morrer em grupo. Dos porões, das adegas, dos esgotos, subiam em longas filas titubeantes, para virem vacilar à luz, girar sobre si mesmos e morrer perto dos seres humanos. À noite, nos corredores ou nas ruelas, ouviam-se distintamente seus guinchos de agonia. De manhã, nos subúrbios, encontravam-se estendidos nas sarjetas com uma pequena flor de sangue nos focinhos pontiagudos; uns inchados e pútridos; outros rígidos e com bigodes ainda eriçados. Na própria cidade, eram encontrados em pequenos montes nos patamares ou nos pátios.”

***

“[…]O aumento, pelo menos, era eloquente. Mas não era bastante forte para impedir que nossos concidadãos, em meio à sua inquietação, tivessem a impressão de que se tratava de um acidente, sem dúvida desagradável, mas, apesar de tudo, temporário. Continuavam assim circular nas ruas e a sentar-se às mesas dos cafés. No conjunto, não eram covardes; trocavam mais gracejos que lamúrias e aparentavam aceitar com bom humor inconvenientes evidentemente passageiros.”

Considerado a grande obra-prima em que uma epidemia é abordada, “A Peste” se desenvolve com uma linguagem simples, com bons personagens, com uma narrativa fácil de ser assimilada e com bons diálogos e situações. Mesmo que não seja considerado o melhor livro do autor, não há dúvidas de que o aclamado romance é de um alto nível literário, se fazendo necessário em qualquer momento da vida. Considerado uma metáfora crítica contra governos totalitários, o clássico supracitado atinge seus objetivos narrativos, se provando como uma obra profunda sobre a humanidade em si. Que a morte a todos espera, isso já sabemos. Mas a quem devemos atribuir a culpa de tão desconfortável verdade quando ela surge diante de uma epidemia/pandemia? Se a Deus negamos odiar, então só resta a nós carregarmos tamanho peso?

Em certo momento do romance, o autor através do narrador faz a seguinte afirmação: “[…] E sabia também, que viria o dia em que, para desgraça e ensinamento dos homens, a peste acordaria seus ratos e os mandaria morrer numa cidade feliz.” Ah Camus, como eu gostaria que você estivesse errado e que isso não passasse de uma simples citação literária. Para que serve tamanho sofrimento? Para nos confrontramos, nos conhecermos e aprendermos sobre a importância da vida e daqueles a quem convivemos? Seja na ficção ou na vida real, a verdade é que algo vamos aprender. O que exatamente? Isso só o tempo dirá. Se for para carregarmos alguma culpa, que seja de queixo erguido e com fé que tudo irá melhorar. Que entre lágrimas e sorrisos daqueles que ficarem, que um novo mundo se ergua e que mesmo diante das pestes que venham a surgir, que nunca desistamos de lutar.

[stellar]
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Fernando Lafaiete

O que vocês devem saber sobre mim? Me Chamo Fernando Henrique Lafaiete, mas vocês podem me chamar de China. Apelido este, dado pelos meus melhores amigos. Sou viciado em leitura, sou poliglota, auditor de hotel, professor de inglês, fã de fantasia, fã de livros policiais, fã de YA, fã terror e fã de clássicos. Luto ao máximo contra o preconceito literário que alimenta a conduta dos pseudo-intelectuais e sou fã de animes e qualquer coisa que envolva super-heróis. Amo escrever todo tipo de texto, em especial resenhas. Espero que minhas opiniões sejam de alguma valia para todos que tiverem acesso as mesmas. Sou sempre sincero e me comprometo a dividir minhas opiniões da maneira mais verdadeira possível. Agradeço o convite para fazer parte do grupo de resenhistas do site e que minha presença aqui seja duradoura.

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