*****************************NÃO contém spoiler******************************
Editora: Darkside Books
Autor: Charles Burns / Idioma: Português / Quadrinho Underground / 368 páginas
Ter que se adaptar a uma nova situação, a um novo ambiente, a uma nova vida, tudo graças a uma doença contraída através de relações sexuais que alimentam o medo e os preconceitos alheios, forçando jovens a se isolarem em uma floresta obscura e perigosa. Em Black Hole, lançada originalmente em doze fascículos de 1995 a 2004, Charles Burns explora os dilemas adolescentes através de uma narrativa mórbida que se complementa com traços tenebrosos que causam incômodo e muitas vezes repugnância.
Tendo o ponto de vista de quatro personagens, vamos acompanhando a jornada dos mesmos e de seus amigos na cidade de Seattle nos meados dos anos 70, um período de libertação sexual, artística e de inconsequências juvenis. Temos a realidade influenciando a ficção e vemos uma crítica mordaz em relação as atitudes impensadas dos jovens que se relacionam uns com os outros, sem proteção alguma e sem se preocuparem com as consequências de seus atos. Vemos uma doença sexualmente transmissível se espalhando entre os adolescentes e causando mutações nos mesmos, algumas visíveis, outras nem tanto.Temos um terror psicológico mesclado a um mistério respaldado por assassinatos… bonecas desmembradas penduradas em árvores, pegadas ao redor de barracas que estão no meio da floresta e que servem de refúgio para os jovens exilados e a busca incessante por pertencimento, aceitação e autodescobertas.
Considerada um marco dos quadrinhos underground, Black Hole serve de alerta e mostra com perfeição a psique dos jovens e suas exacerbações em relação à vida. A premiada graphic novel retrata com perfeição uma narrativa ficcional que se espelha e muito nos anos 80 e na expansão da AIDS pelo mundo. O autor tem traços fenomenais e se utiliza do contraste do preto e do branco para reforçar o teor lúgubre, as fisionomias dos personagens e para brincar um pouco com a passagem do tempo.
A narrativa é composta pelo presente e por flashbacks que reforçam a jornada dos personagens centrais e que nos possibilitam entender todos os acontecimentos de maneira profunda. O título da obra possui diversos significados e é empregado com maestria, fazendo alusão ao órgão genital feminino, que remete a relação sexual, que remete a doença que assombra a todos. Tem também a significação do momento sombrio em que a sociedade se encontra, em especial os jovens que se veem perdidos, tentando se encontrarem, mas sem saber para onde ir; como se estivessem de fato em um verdadeiro buraco negro.
É um trabalho ímpar, que trata com uma verossimilhança assustadora a vida como ela é (era). Cheia de momentos vazios onde as buscas por explicações existencialistas levam a fugas sexuais e a utilização exagerada de drogas “ (como já mencionado no quarto parágrafo). ” Importante ressaltar, temos cenas explícitas de sexo e diálogos viscerais que abordam temas como estupro e loucura de maneira que pode servir de gatilho para alguns leitores.
Ler esta HQ, vencedora do prêmio Harvey e Eisner, foi uma experiência estranha. Ela me incomodou, mas não ao ponto de ter me desagrado como um todo. Senti a todo momento uma dificuldade imensa de imergir na leitura e de me importar com os personagens. Achei alguns momentos cansativos e o mistério, os climas de tensão e as revelações não me causaram absolutamente nada. Terminei a leitura entendendo a importância de tal trabalho, mas me sentindo indiferente ao mesmo. Me cansei em alguns vários momentos e ao terminar a leitura, percebi que apesar de ser boa, Black Hole não me marcou como leitor e seu surrealismo e suas analogias e metáforas sobre a vida, não adentraram meu subconsciente, ficando apenas na superfície de meu ser.