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******************************NÃO contém spoiler******************************

Editora: Cosac & Naify

Autor: Charles Dickens / Idioma: Português / Romance de formação – Clássico inglês/ 1.312 páginas

Charles Dickens é conhecido como o maior escritor da literatura inglesa e foi venerado por grandes escritores da época em que viveu. Franz Kafka, George Orwell, Henry James, Dostoiévski, eram alguns dos escritores que amavam as obras deste “singelo” autor. Mas ele de fato merece tanta veneração e é tudo o que dizem? Sim. Ele era extremamente talentoso, tendo o dom de escrever grandes estórias com muita sutileza e simplicidade. A escrita é acessível, mas nem um pouco rasa. Dickens nos entrega um verdadeiro romance de formação que nos encanta, nos revolta, nos cansa e muitas vezes nos choca. Muitos consideram este clássico como o clássico dos clássicos. Se ele de fato é, eu não sei… mas que ele influenciou muitos escritores a escrevem suas obras e que ele é um puta livro, isso é inegável.

David Copperfield é uma verdadeira jornada do herói, contada em primeira pessoa e tida como sendo a estória mais autobiográfica do autor. Fatos da própria vida de Charles Dickens são facilmente encontrados neste fabuloso romance, mas nem sempre são fatos ocorridos com o protagonista. Portanto, eu o considero um livro semi-autobiográfico do autor ou autobiográfico, mas não do autor, e sim do personagem central que dá nome à obra.

Este clássico inglês se divide em 3 partes relacionadas com a vida do personagem central. Acompanhamos sua trágica infância, sua juventude repleta de dilemas e sua vida adulta cheia de perdas e ganhos. Milhões de personagens e subtramas aparecem e muitas vezes Copperfield deixa de ser o protagonista e passa a ser apenas o narrador de determinados acontecimentos protagonizados por outros personagens tidos como coadjuvantes.

Os personagens são complexos e a relação entre os mesmos é desenvolvida de maneira excepcional. As várias camadas da psique humana vão sendo destrinchadas pelo autor conforme ele vai nos apresentado personagens com personalidades questionáveis e muitas vezes excêntricas. Ele nos mostra o quanto o ser-humano pode ser cruel e ambicioso ao ponto de passar a perna nos outros, se aproveitando da inocência e da vulnerabilidade emocional de alguém. Mas ele também demonstra que o mundo dá voltas e que famigerada estrada da vida não é um parque de diversões.

A primeira parte é sensacional e muito envolvente. Nos apegamos logo de cara pelo protagonista e torcemos pelo mesmo. Ficamos revoltados com as diversas injustiças que nos são apresentadas e nos chocamos de como crianças podem ser cruéis. Nos incomodamos tanto quanto ao percebermos ou ao reafirmarmos de como famílias disfuncionais podem formar verdadeiros monstros, que externalizam suas frustrações e traumas de forma assustadora. A segunda parte do livro nos mostra como a vida não é fácil (não que a primeira parte não nos mostre isso), nos apresentando um personagem central mais maduro, que começa a enxergar a vida como de fato ela é; se deparando com dilemas recorrentes da juventude, como os primeiros amores, a famigerada decisão de que carreira seguir, o que estudar, entre tantos outros questionamentos pertinentes e corriqueiros na vida de tantas outras pessoas. E na terceira e última parte  nos deparamos com um protagonista que luta para alcançar o tão famoso sucesso profissional, batalhando com unhas e dentes para ajudar os amigos e familiares.

Henry James e Virginia woolf veneravam Dickens mas também o criticavam. Segundo estes escritores, o referido autor escrevia muito bem, mas seus personagens eram um pouco rasos, devido ao pouco desenvolvimento emocional dos mesmos. Devo salientar que discordo completamente desta afirmação. Pois Charles Dickens desenvolve os personagens com maestria. O que provavelmente fez com que estes aclamados escritores tivessem estas percepções, é a falta talvez de introspectividade narrativa emocional dos personagens, devido ao livro ser narrado em primeiro pessoa. Ou seja, acompanhamos os problemas  por um único ponto de vista. Mas isto não significa que os personagens são rasos ou mal desenvolvidos. De maneira nenhuma isto ocorre, pois toda a carga emocional da estória e dos personagens transborda através dos diálogos e dos acontecimentos que vão sendo apresentados. A parte emocional fica mais do que clara e é extremamente palpável.

Mas se o livro é tão incrível assim, por que eu não o estou avaliando com nota máxima?

A resposta para a pergunta acima é bem simples. O livro é de fato sensacional, porém, ele é cheio de situações triviais e a segunda parte da estória é cheia de acontecimentos que não me chamaram assim tanta atenção e me cansaram. Em alguns momentos a narrativa se arrasta e o protagonista as vezes chega a ser muito burro. Ele se deixa enganar por um determinado personagem que está na cara que é um tremendo mal-caráter. Todo mundo vê que o tal individuo é um traste, manipulador e desprezível, mas o protagonista demora milhões de páginas pra se tocar quanto a isso. Alguns personagens também são bem inativos e mesmo percebendo que estão sendo enganados, demoram muito para tomarem uma atitude. Sem contar que uma determinada personagem me irritou muito tamanha a sua infantilidade e fragilidade. Desculpem se fui muito vago, mas preferi não citar nomes de personagens e nem situações que os envolvam, exatamente para não dar spoiler e atrapalhar a experiência de leitura de quem pretende ler esta obra.

Pra quem irá embargar nesta jornada de descobertas, felicidades, decepções e crescimento,eu reafirmo; David Copperfield é uma leitura muitas vezes cansativa, mas é fascinante, muito bem escrita, revoltante e apaixonante. Charles Dickens deixa claro que a vida não é fácil, que a estrada que precisamos percorrer para alcançarmos o nosso objetivo é árdua, mas vale a pena. A vida não é só preto no branco, mas para crescermos como pessoa e como profissionais, precisamos passar por estes momentos nebulosos, para que assim consigamos construir uma vida mais colorida e sermos de fato felizes.

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