Editora: Companhia das Letras
Autor: Mia Couto / Gênero: Literatura jornalística – ensaios – intervenções / Idioma: Português / 208 páginas
Em minha busca por um novo autor africano (Só havia lido até então a Chimamanda), fiquei na dúvida entre Pepetela e Mia Couto; e depois de muito pensar, me decidi pelo segundo autor. A minha escolha foi o livro de ensaios “E se Obama fosse Africano?”
Neste compilado de textos, chamados pelo autor de intervenções, Mia Couto irá apresentar várias ideias impregnadas de críticas sociais, culturais, politicas e literárias. O autor irá nos apresentar vários aspectos que são muitas vezes deturpados ou simplesmente ignorados pela sociedade como um todo. Por que um país tão rico culturalmente como a Africa é tão ignorado e tipo como incapaz de gerar arte? Por que os autores africanos são ignorados em detrimento da literatura americano ou de qualquer outro país? Ou por que os autores africanos que fazem sucesso tiveram que americanizar suas histórias para que elas fossem aceitas no mundo literário? Estaríamos vivendo a era da censura cultural? Americanizar uma estória africana ou de qualquer outro país, não seria um ato de profanação e de empobrecimento narrativo?
Mia Couto levanta muitas questões interessantes que são de fato ignoradas por boa parte das pessoas. E sabe por que esta negação generalizada ocorre? Simplesmente porque nos revoltamos somente com as injustiças que nos atingem diretamente. As injustiças alheias são incômodos que são mais fáceis de serem digeridos se forem simplesmente ignorados.
Vivemos em um mundo onde a capitalização se tornou muito mais importante do que a luta pela eliminação das misérias que assolam muitos países que dependem de ajuda. Mas a África se encontra nesta situação de pobreza alarmante por culpa dos países que se negam a oferecer apoios mais ativos? O referido autor não dispensa crítica aos africanos, que segundo ele, são os verdadeiros culpados de um país tão rico estar nesta situação miserável. Ele afirma que vivemos em um mundo onde a transferência de culpa se tornou a principal arma de quem não deseja assumir suas próprias incompetências como cidadão comum ou como cidadão político.
Martin Luther King dizia: “Mais grave que o ruído causado pelos homens maus é o silêncio cúmplice dos homens bons que aceitam a resignação do silêncio.”
É engraçado também como a nossa literatura tão criticada e tão ignorada pelos nossos leitores, é tão admirada pelos leitores africanos. A nossa literatura é rica e Mia Couto não dispensa elogios e agradecimentos aos nossos aclamados escritores. Ele afirma que diante de tantos escritores geniais, por que valorizamos muito mais a literatura estrangeira do eixo Estados Unidos/Reino Unido? Volto mais uma vez a questão que levantei na minha resenha de Memórias Póstumas de Brás Cubas (postada unicamente no Skoob)… Seria isto reflexo da má gestão da cultura literária de nosso país?
O autor também aborda a importância da leitura e o papel da mulher na África. As mulheres são constantemente marginalizadas e poucas ações são tomadas para que esta situação mude. Em um país machista e atrasado como a África, há esperança para quem não nasce homem? O autor também levanta a questão da leitura e afirma que deturpamos o seu real significado, tratando boa parte das pessoas como não leitoras ou como analfabetas. Mas se paramos para pensar de maneira mais ampla, perceberemos que o mundo está cheio de analfabetos, e tanto você que lê minha resenha quanto eu que a escrevi, fazemos parte deste imenso grupo de pessoas que sofrem com esta deficiência. Para que vocês possam entender o que o autor quer dizer com tal afirmação, lhes aconselho a ler as intervenções apresentadas neste livro.
Para finalizar, é extremante interessante a intervenção que dá nome a obra. Em “E se Obama fosse africano?” o autor irá apresentar a hipocrisia do povo africano no momento em que Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos. Uma alegria raramente vista assolou todo o país. A verdade é que Obama é negro somente nos Estados Unidos. Na África ele seria mulato e portanto não teria tido a menor chance de vitória. Ele teria sido ignorado, torturado, silenciado (morto) ou simplesmente nem teria concorrido. O povo deste país tão rico culturalmente precisa lutar para ter seus próprios políticos a quem esta veneração seja mais justificável. Como o próprio autor diz no livro:
“Só há um modo verdadeiro de celebrar Obama nos países africanos: é lutar para que mais bandeiras de esperança possam nascer aqui, no nosso continente. É lutar para que Obamas africanos possam também vencer. E nós, africanos de todas as etnias e raças, vencermos com esses Obamas e celebramos em nossa casa, aquilo que agora festejamos em casa alheia.”