******************************NÃO contém spoiler******************************
Autor: Daniel Keyes
Editora: Aleph / Gênero: Ficção-científica / Idioma: Português / 288 páginas
Como seria vivermos em um mundo onde fosse possível nos tornarmos mais inteligentes devido a uma cirurgia revolucionária? Seria a inteligência e tal avanço científico a salvação para os nossos problemas? Talvez se avaliarmos tais questões de maneira míope, a resposta seria um óbvio sim. Mas até que ponto aumentarmos nossa inteligência de maneira surreal, resultando na aquisição de uma visão clara de tudo que há no mundo nos faria bem? Flores para Algernon nos entrega questionamentos como esse de forma singela, reflexiva e emocional. Quando o protagonista Charlie Gordon, um adulto que sofre de uma deficiência intelectual grave recebe a oportunidade de ser o primeiro ser-humano a passar por tão sonhadora transformação, seu mundo vira de cabeça pra baixo. Como um cego que passa a enxergar da noite pro dia, o personagem central se vê diante de um mundo injusto, insensível, egoísta e cruel. Além de ter que lidar com a ebulição de seu inconsciente, que traz a tona dolorosas lembranças de sua infância; capazes de nos afogar junto com o protagonista diante de tantas situações desumanas em que somos expostos.
Tal exposição nos coloca frente a frente à uma narrativa de complexos psicológicos que constroem toda uma significação da pressão social quando o assunto passa a ser o pertencimento de alguém que só deseja ser amado e aceito em sociedade. O clássico de Daniel Keyes nos confronta como seres humanos, como leitores e como agentes sociais. Quantas vezes você já riu de alguém apenas para reforçar sua suposta superioridade? Quantas vezes você já fez piada de alguém que possuía uma deficiência ou limitação as quais você teve a sorte de não ter? Como seres humanos somos falhos e erramos, mas é importante refletirmos sobre nossas falhas e o quão impactantes nossas atitudes são, principalmente como reflexos na vida de alguém. Ler o romance de Keyes é confrontar a nós mesmos, ao mesmo tempo que o personagem se confronta. O virar das páginas nos apresenta uma evolução de seu QI, a transformação de suas relações interpessoais e o quão assustador é a desumanização de toda uma sociedade.
“Acho que é uma coisa boa descobrir como todo mundo ri de mim. Pensei muito sobre isso. É porque eu sou tão estúpido que nem sei quando estou fazendo algo estúpido. As pessoas acham engraçado quando alguém estúpido não consegue fazer as coisas de mesmo jeito que elas.”
Como Pandora, não somente na etimologia da palavra, mas também em seu simbolismo mitológico, Charlie Gordon é uma caixa de surpresas e males que precisam ser libertados e confrontados. Ele precisa se conhecer como ser e entender o mundo em que vive, por mais doloroso que isso seja. Flores para Algernon é uma obra sobre progressão e regressão. Sobre equilíbrio racional e emocional. E acima de tudo, é uma um romance sobre a cisão de alguém ligado ao imaginário distorcido da realidade. Mesmo quando igualado ao ratinho Algernon, o qual empresta seu nome ao título da obra, o personagem central não se diminui e não passa a agir como alguém que precisa ser engaiolado como seu simpático amiguinho, também produto do infame experimento citado no primeiro parágrafo. Ele questiona, se desenvolve e se desespera. Se nem como alguém acima da média é aceito pelas pessoas, qual o sentido de ser inteligente? Qual a saída para alguém que procura incessantemente uma aceitação que parece inalcançável?
Com uma escrita ágil, repleta de críticas mordazes e com uma ascensão narrativa envolvente (indo da informalidade e erros gramaticais para a forma culta normativa), Flores para Algernon nos arrebata e nos deixa com o coração dilacerado ao término da leitura. É um livro que mexe com nossas emoções e nos faz refletir o tempo todo, não nos dando folga quanto a isso. Apresenta além do complexo de Pandora, também o complexo Frankenstein, nos agraciando com debates inteligentes entre criatura e criador; se tornando um livro completo no quesito psicológico, transpondo as linhas literárias e se mostrando com clareza a razão de ser um clássico. É uma leitura intimista, com uma narrativa epistolar e com questões intrínsecas.
E a pergunta que fica é: Quanto vale a inteligência?
A única resposta óbvia é que no mundo de Gordon os imbecis somos nós. O Valor da inteligência se torna irrelevante quando a crueldade humana se sobrepõe a tão importante e necessária questão.
Notas:
- Flores para Algernon foi publicado pela primeira vez em 1959 em formato de conto. Somente em 1966 é que ganhou sua versão estendida, como o aclamado romance.
- Daniel Keyes escrevia roteiros de histórias em quadrinhos para Stan Lee. Mas preferiu guardar a ideia de Algernon para si mesmo, acreditando que poderia transformá-la em algo único, como de fato aconteceu.
- Flores para Algernon como conto ganhou o prêmio Hugo e como romance foi vencedor do prêmio Nebula.
- A obra-prima de Keys ganhou uma elogiada adaptação cinematográfica em 1968, um musical na Broadway em 1978 e é leitura obrigatória nas escolas norte-americanas, assim como em alguns cursos universitários.
- O romance também inspirou um episódio de Os Simpsons da 12ª temporada, que foi inclusive campeão do Emmy de melhor animação com menos de uma hora.