******************************NÃO contém spoiler******************************
Sinopse:
Escrito na cabeceira de morte de sua primeira mulher, numa situação de aguda necessidade financeira, ‘Memórias do Subsolo’ condensa um dos momentos mais importantes da literatura ocidental, reunindo vários temas que reaparecerão mais tarde nos últimos grandes romances do escritor russo. Aqui ressoa a voz do homem do subsolo, o personagem-narrador que, à força de paradoxos, investe ferozmente contra tudo e contra todos.
Contra a ciência e contra a superstição, contra o progresso e contra o atraso, contra a razão e a não razão; mas investe, acima de tudo, contra o solo da própria consciência, criando uma narrativa ímpar, de altíssima voltagem poética, que se afirma e se nega a si mesma sucessivamente. Não é por acaso que muitos acabaram vendo neste livro uma prefiguração das ideias de Freud acerca do inconsciente. O próprio Nietzsche, ao lê-lo pela primeira vez, escreveu a um amigo: “A voz do sangue (como denominá-lo de outro modo?) fez-se ouvir de imediato e minha alegria não teve limites”.
“Memórias do Subsolo” também conhecido como “Notas do Subsolo” e “Notas do subterrâneo” foi o 7° romance escrito por Fiódor Dostoiévski e foi publicado em 1864. O autor tido como um dos maiores escritores da literatura russa, se consagrou como o principal precursor do existencialismo. O romance aqui apresentado, é um livro pesado, sublime e de uma importância incrível.
Dostoiévski apresenta um personagem sem nome, que se identifica como ex-funcionário do governo e logo no início da narrativa se declara como um ser doente. Qual sua doença? Ser um ser consciente. Em um livro que li uma vez sobre sociologia, o autor (cujo nome não me lembro) afirmava que o maior mal da humanidade é a ignorância… A geradora de pré-conceitos que atrasa a evolução do pensamento humano. Mas segundo Dostoiévski, o maior mal da humanidade é a consciência (ou a falta dela). Ou pelo menos é assim que o personagem principal de “Memórias do Subsolo” se sente. Aliás, a falsa consciência que nos domina é a razão de nos considerarmos seres racionais, quando na verdade somos tão irracionais quanto qualquer outro ser que habita o planeta. A única diferença entre um ser-humano e um animal (tido como irracional) é o grau de sua irracionalidade.
O Homem subterrâneo, como o personagem central passou a ser conhecido ao longo dos anos, é um personagem que não se identifica com a sociedade a qual faz parte. Se considera um ser consciente no meio de seres de consciência hiperatrofiada.
As pessoas que possuem senso crítico, que sabem da importância da razão e que pesquisam, se informam e analisam antes de julgar o próximo, são pessoas que são fortemente julgadas pelo resto do mundo. São vistas como um vírus que deve ser eliminado. Afinal de contas, quando todo mundo passar a ser consciente, passará a não haver mais situações sustentadas por pensamentos absurdos. Exatamente por esta razão que o personagem se sente um ser doente no meio de pessoas que são tidas como normais. Fiódor Dostoiévski era um cara visionário e teceu com maestria uma narrativa atemporal. Em pleno século XXI, vivemos em um ambiente tóxico onde a consciência é tida realmente como uma das piores coisas que existem. Para os detentores do poder, a inércia e a ignorância é que são benéficas. Como manipular seres conscientes?
O fato é que o maior mal é realmente a ignorância. Nos encontramos em um mundo que está do avesso onde o maior mal passou a ser o que deveria ser visto como a solução: “A Consciência humana”. A falsa racionalidade passou a ser defendida através de opiniões reforçadas por pensamentos religiosos deturpados, por ações motivadas por violência (física, verbal e escrita) praticadas por pessoas que afirmam estar defendendo a moral e os bons costumes.
“Memórias do Subsolo” é um soco no estômago que acredito ter o poder de incomodar os falsos moralistas e os hipócritas de plantão. A obra do mestre russo é uma narrativa psicológica que conversa bastante com “A Metamorfose” do mestre da literatura alemã, Franz Kafka. A diferença entre as obras (ambas de cunho psicológico) é que entre vários outros aspectos, a obra de Kafka exige uma análise voltada para a psicanálise. Já a de Dostoiévski exige uma análise psicossocial. Importante ressaltar que o homem subterrâneo foi uma das inspirações para a criação de Gregor Sansa, o protagonista do aclamado romance de Kafka.
Durante a leitura, senti falta de uma bagagem literária mais extensa à respeito da literatura russa, já que o autor insere milhares de referências voltadas à este cânone literário. Uma falha minha como leitor que pretendo sanar em breve.
Engraçado acompanhar a narração de um personagem que sente asco pela sociedade ao mesmo tempo que sente a falta de alguém para se relacionar. Como viver em um mundo habitado por seres inconscientes? Se somos “todos” inconscientes, praticamente seres mortos, então já nascemos como natimortos? Essa é uma das questões levantadas pelo autor.
O título da obra nada mais é do que uma metáfora para o estado de espírito do personagem central, que vive imerso, quase se afogando em sua própria consciência. O subsolo é exatamente a consciência que o torna um ser doente. Indico muito a leitura!! Leiam e reflitam sobre as questões levantadas. Que tipo de ser humano é você? Um ser racional ou mais um entre tantos dos seres de consciência hiperatrofiada que nos cercam?
[…] (Confira a resenha de “Memórias do Subsolo” clicando AQUI) […]
Estou lendo o livro, apaixonada pela obra. Seu conteúdo me ajudou a compreender algumas coisas. Muito obrigada!
Boa noite Erika, tudo bem?
Fico muito feliz de saber que minha resenha te ajudou de alguma forma e ainda mais feliz pelo seu comentário. Eu adoro Memórias do Subsolo e sempre o indico para quem deseja começar a ler literatura russa. Assim que terminar de lê-lo, volte aqui e compartilhe seu veredito comigo. 🙂