******************************NÃO contém spoiler******************************
Autora: Xinran
Editora: Companhia das Letras / Idioma: Português / Tradutora: Caroline Chang / Gênero: Literatura jornalística / 242 páginas.
Mergulhado em uma extrema melancolia e tristeza provenientes de relatos dolorosos e descrições absurdas capazes de chocar o mais incrédulo dos leitores; “Mensagem de uma mãe chinesa desconhecida” da autora Xinran, publicado pela editora Companhia das Letras em 2011, é um soco no estômago e uma obra necessária, questionadora e muito mais que reflexiva. Cruel em seu cerne e sensível em suas camadas primárias, a obra nos leva a encarar situações horrendas de um país misógino, hipócrita e patriarcal, através de relatos de mães chinesas que foram obrigadas a abandonar suas filhas ou até mesmo permitir que elas fossem assassinadas minutos depois de terem nascido. Como lidar com tamanha crueldade e como se colocar no lugar dessas mulheres? Como ler uma obra de tamanho cunho crítico e emocional sem julgar a cultura, as políticas e as atitudes narradas?
Criada em 1979 com intuito de diminuir o crescimento populacional do país; a rígida política do filho único (exclusivamente para filhos homens), serviu apenas para sufocar e escravizar emocionalmente as mulheres do país; além de criar um déficit entre homens e mulheres, causando um desequilíbrio social grave. Infanticídio, abandonos e negligencias parentais e governamentais são cometidos com normalidade e muitas vezes sem remorso algum. Situações que nos amortecem e nos revoltam conforme vamos avançando na leitura.
“O negócio do aborto se tornou um ótimo caminho para se ganhar dinheiro rapidamente, e anúncios para esse tipo de serviço eram afixados em toda parte das periferias das cidades. Quase nenhuma das estudantes que engravidavam ficavam com o bebê. As famílias chinesas disputavam os meninos, mas os bebês do sexo feminino inevitavelmente terminavam em orfanatos. Essa é provavelmente uma das razões para o aumento dramático nos números de bebezinhas em orfanatos chineses de 1990 em diante, e também para a instituição governamental de 1992 que permitiu a adoção internacional”
Com uma escrita simples e com uma agilidade ímpar em descrever sentimentos únicos e empáticos, a autora, também jornalista popular, nos encanta com suas palavras tão bem escolhidas, nos agraciando com uma obra jornalística de alto nível literário. “Mensagem de uma mãe chinesa desconhecida” me deixou tão chocado, que passei horas tentando digerir tudo que havia lido e tentando desesperadamente entender como o ser-humano consegue ser tão cruel.
“Um número incontável de mulheres oriundas de zonas rurais comete o suicídio ingerindo pesticidas. Em um relatório das Nações Unidas de 2002, a China ficou em primeiro lugar na lista de suicídios femininos, e ingestão de pesticidas era o método preferido. A China é um dos poucos países em que mais mulheres que homens cometem suicídios.”
Muito parecido em sua estrutura com o que encontramos em “A Guerra tem rosto de Mulher” da autora Svetlana Aleksiévitch, a obra de Xinran dá voz as mulheres chinesas, deixando suas vozes ressoarem pelas páginas de forma arrebatadora. O livro é fantástico, desafiador e muito, mas muito triste. Muitos afirmam que não existe nada mais forte que amor de mãe. Mas lendo esse livro, confesso que passei muito tempo questionando tal afirmação. Consigo entender um pouco, mesmo que muito pouco, todo o sofrimento tanto das crianças abandonadas quanto das mães que as abandonaram ou “as assassinaram”. Imagino a dificuldade de quem adota uma criança chinesa em responder a tão temida pergunta: Por que minha mãe chinesa não me quis? Terminei o livro e agora parafraseio uma indagação apresentada no livro aqui resenhado.
O que é natureza? O que é amor de mãe?