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******************************NÃO contém spoiler******************************

Quando nos deparamos com obras monumentais como O Senhor dos Anéis de J. R. R. Tolkien, normalmente levantamos várias questões acerca de suas inspirações. Debate este, muitas vezes regado de afirmações infrutíferas que não possuem bases que as validem. Mas tudo muda quando O Senhor dos Anéis passa a ser atrelado a obra-prima O Anel de Nibelungo; a ópera épica do famoso compositor alemão Richard Wagner.

A famosa ópera que levou cerca de 26 anos para ser composta (de 1848 a 1874), se baseia nas mitologias nórdicas, escandinavas e na famosa e lendária canção de Nibelungo. Trata-se de uma jornada épica dividida em 4 atos (O ouro do Reno, A Valquíria, Siegfried e O Crepúsculo dos Deuses), com duração de quinze horas. O espetáculo é aclamado pela crítica especializada desde que foi tocado pela primeira vez (ainda incompleto) em 1869 em Munique. É uma das óperas mais importantes já compostas e uma das maiores contribuições para a história da música clássica.

Todo o espetáculo magistralmente orquestrado por Richard Wagner é acompanhado por libretos que possibilitam ao público acompanhar a história dos personagens e associar as canções tocadas com uma narrativa visual resumida, mas que complementa perfeitamente as canções. Uma verdadeira narrativa contada quase exclusivamente utilizando apenas sons.

Foi se baseando neste clássico monumental que P.C. Russel realizou a adaptação em quadrinhos do que é considerada uma ópera perfeita em sua plenitude. O Anel de Nibelungo é um desafio que Russel aceitou com sorriso nos lábios e que executou com maestria. Afinal de contas, como adaptar e desenhar personagens baseados em partituras?

Toda a narrativa é baseada nos escritos Eddas, a base principal da mitologia nórdica; os textos sagrados desta magnífica cultura. Acompanhamos uma história fascinante, que envolve sereias, heróis, deuses, anões, dragões, cavalos alados, mulheres poderosas, tesouros, demônios e ambições ilimitadas que culminam em desfechos obscuros. Após o ouro de Reno ser roubado das mulheres do mar, um anel maléfico é forjado por um vingativo anão da espécie Nibelungo. Quem o possuir, possuirá todo o poder do mundo. Um anel criado por motivos escusos, tendo como base principal a renúncia ao amor. Um jogo cheio de curvas, onde o prêmio passa a ser o tão desejado anel, que domina as emoções de quem o possui, e que durante um tempo será protegido por um imenso dragão, que aguarda em uma caverna ser desafiado por um herói a sua altura. Enxergaram as semelhanças com O Hobbit e O Senhor dos Anéis? Pois é… mas lembrem-se, perceber as semelhanças e se deparar com tais inspirações durante a leitura, em nada diminui a magnitude de tudo que Tolkien criou. Não é um demérito, e sim um mérito e algo que todo leitor deve se deliciar. É incrível perceber como um mestre influenciou outro.

Algo importante é que toda a ópera apresenta a narrativa através de 4 gerações. E se utiliza de um artifício conhecido por leitmotiv (motivo condutor); que nada mais é do que um tema atrelado a momentos específicos ou a personagens específicos. O que facilita a compreensão do que está sendo contado e a que personagem se refere. Algo que eu acharia impossível de ser adaptado para HQ, mas que Russel executou de maneira a nos deixar de queixo caído. O mesmo se utiliza de quadros que são separados e unidos ao mesmo tempo. De imagens que são apresentadas diminutas e que vão ganhando proporções conforme o auge vai chegando ao leitor. Exatamente o que acontece com a ópera ao ser tocada. Li o primeiro arco enquanto ouvia o primeiro ato, e posso afirmar que foi uma experiência que jamais esquecerei. Algo que me marcou como leitor.

A colorização, os desenhos e o aproveitamento de todo e qualquer espaço da página, além da mais que excelente adaptação, faz da HQ O Anel de Nibelungo uma obra-prima da nona arte. Se tiverem a oportunidade, leiam enquanto escutam a ópera. É uma experiência que toca nossa alma em uma profundidade que me impossibilita explicar em palavras.

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Notas:

1. Há uma adaptação teuto-estadunidense-ítalo-britânico lançada em 2004 e dividida em 2 partes.

2. Esta ópera foi tocada na integra apenas 4 vezes ao longo dos anos devido sua complexidade. Ela demanda uma equipe imensa de músicos, além de instrumentos específicos, sendo que Richard Wagner confeccionou instrumentos próprios que passaram a ser conhecidos por trompas wagnerianas. A primeira apresentação completa da ópera ocorreu em 18 de Agosto de 1876 em Bayreuth. A primeira apresentação completa no Brasil ocorreu no Rio de Janeiro em 1922.

3. Tolkien sempre negou que se inspirou na obra de Richard Wagner, algo difícil de se acreditar. Muitos acreditavam, inclusive pessoas próximas a ele, algumas até afirmavam, que ele desejava se distanciar do músico em questão, por ele ser um dos artistas favoritos dos nazistas. Mas vale lembrar que ser admirado pelo partido nazista não fazia de Wagner adepto aos conceitos deste partido. Pois quando o nazismo surgiu em 1920, Richard Wagner já não estava mais entre nós, já que faleceu em 13 de fevereiro de 1883.

4. A HQ foi vencedora do prêmio Eisner de melhor série limitada em 2011.

 

“A bela versão de P. Craig Russell para o ciclo do Anel consegue ser o mais fiel e inspirador retrabalho de uma ópera em formato de quadrinhos, e a saga de alta fantasia definitiva.”- Neil Gaiman

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