A obra “O cortiço”, do autor Aluísio Azevedo, datada ao final do século XIX (1890), é um marco para o naturalismo brasileiro, tendo como base o realismo/naturalismo francês, representado, principalmente, por Émile Zola e Flaubert, e pelo português Eça de Queiroz, em histórias marcantes como Madama Bovary e O primo Basílio, por exemplo.
O cortiço “São Romão” e o “Sobrado do Miranda”, são representações fidedignas da grande revolução social e cultural da época na então capital brasileira, Rio de Janeiro, que reverberava por todo o restante do país recém proclamado república, era o fim do Imperialismo e o fim da escravidão.
Toda a história, que se inicia na bodega do jovem português João Romão, realça a ideia tão difundida pelos grandes pensadores do período de que o meio lapida e dirige o homem com mãos de ferro. Todo o cortiço possuía vida, sendo este, o personagem principal da trama.
Aluísio Azevedo, de maneira genial, desnuda toda a sociedade de suas hipocrisias e tabus, fazendo um estudo sociológico detalhado e exemplificado. Expurgando pensamentos, perscrutando e descrevendo de maneira quase cientifica o intimo de cada um dos presentes na história, sem, no entanto, macular o escrito com segundas e terceiras opiniões, sendo insípido em toda a sua narrativa.
O que dizer a respeito do bom e honesto Jerônimo que, ao fim de dias animalescos de trabalho, chorava junto a guitarra portuguesa toda a saudade da terra natal, e que teve a cabeça virada pela bela e sensual Rita Baiana, a ponto de abandonar a esposa Piedade e a filha, logo vista como substituta da flor do cortiço, Pombinha que ao dar-se conta da natureza abjeta humana e do seu poder enquanto mulher, foge de um casamento arranjado e considerado “salvador” pela mãe, dona Izabel, torna-se prostituta.
Além do determinismo social tão presente por todo o enredo, discute-se temas como feminismo e a chamada “solidão da mulher negra”, personificadas nas lavadeiras que na ausência da imagem viril de um homem, dita tão necessária dentro de uma sociedade patriarcal como o Brasil do século XIX, destoavam do sistema e por tal condição, eram consideradas escórias e indignas.
A sensualidade quase bestial, materializada, principalmente, na figura da mulher mulata, de corpo desejado e coração desprezado, também se faz presente. Falando em figuras sociais, temos em Firmo ou Firmino, amante de Rita Baiana e desafeto de Jerônimo, o famoso e histórico malandro carioca.
São infinitos os temas sociais e de cunho histórico solubilizados no livro em questão, tais como a crítica gênese destinada a classe abastarda, o patriarcalismo descrito nos casamentos arranjados, a abolição da escravatura, tão mal planejada, dentre tantos outros assuntos, o que basta é ter um olho atento para identifica-los.
Em suma, o autor, junto a sua obra, faz jus a ideia de que a literatura transpõe a existência humana e reflete seus sentimentos, vícios, preconceitos virtudes e pensamentos, bem como sua coexistência com os demais, nos dando a oportunidade de refazer-nos e dar continuidade ao instinto de metamorfose que quase sempre é lento e bastante debatido.