******************************NÃO contém spoiler******************************
Autor: Jón Kalman Stefánsson
Editora: Companhia das Letras / Idioma: Português / Tradução: João Reis / 200 páginas
“As montanhas erguem-se acima da vida e da morte e dessas casas que se amontoam na ponta arenosa… Vivemos no funco de uma taça, o dia passa, transforma-se em noite, e enche-se com a serenidade da escuridão e, depois, as estrelas iluminam-se. Elas brilham eternamente acima de nós como se tivessem uma mensagem urgente, mas que mensagem e de quem? O que querem de nós ou, talvez, o mais importante: o que queremos delas?
Nascemos, vivemos e morremos. Como encarar o enigma chamado vida? Como viver e como entender os mistérios que nos cercam? Como encarar a morte de alguém querido como um fato incontrolável aos aspectos da vida? Abordando o luto como o cerne de sua obra, Jón Kalman Stefánsson nos apresenta personagens que encaram a morte como um fato irremediável e indiferente, com a única exceção do protagonista “o menino”, como é chamado pelos demais personagens da história. Com uma escrita lírica, repleta de sonoridade que a aproxima da poesia, o autor nos leva a uma jornada de descobertas e superações emocionais, tendo como pano de fundo a cultura Islandesa e a literatura universal.
“O que você é vida? Talvez a resposta esteja na pergunta, o espanto implícito nela. A luz da vida treme e se transforma em escuridão assim que paramos de perguntar, assim que deixamos de questionar, e encaramos a vida como outra coisa qualquer?”
Ao iniciar a leitura de Paraíso & Inferno, me vi encantado com a escrita e com a forma do autor de tecer uma narrativa com um tema tão difícil de ser digerido por muitos leitores. A construção narrativa é muito bem arquitetada pelo autor e nos envolve de forma apaixonante, nos fazendo mergulhar na escrita poética repleta de metáforas e simbolismos culturais que brincam com a ideia empregada no título, e que também remete ao clássico Paraíso Perdido de John Milton. Mas a leitura vale de fato a pena? Como um dos aspectos fundamentais da literatura no geral é nos fazer refletir sobre as questões que compõe a obra em si, posso dizer que pelo menos este pilar é muito bem sustentado pelo autor. Mas não posso deixar de dizer que diversas outras questões são apenas pinceladas e o desenvolvimento narrativo deixa a desejar. Com nomes muito parecidos, a interação entre os personagens se torna confusa, assim como a identificação de gênero dos mesmos. Por diversos momentos senti durante a leitura que a única preocupação de Stefánsson era em deixar tudo sonoramente lindo. Mas ele deve ter se esquecido que uma obra literária deve ser muito mais que apenas linda e reflexiva.
O plot é quase nulo e as situações e questionamentos do protagonista são repetitivas. Os personagens são muitas vezes unilaterais e alguns estereotipados. Mas as descrições são excelentes e a Islândia me parece ter sido bem retratada. Devo salientar que Paraíso & Inferno é o primeiro livro de uma trilogia a qual ainda não me decidi se darei continuidade. Muitas questões a serem pensadas e muitas ideias a serem alimentadas. Focado em Amizade, a significação de família e luto, Paraíso & Inferno é uma obra para ser lida e digerida ainda muito tempo depois de ser lida. Uma obra que nos desafia a externalizar nossos sentimentos sobre aquilo que tanto tememos… A Morte.
“As lágrimas aliviam a dor e são boas, mas, ainda assim, não são o suficiente. Não é possível unir as lágrimas e depois deixá-las afundarem como uma corda brilhante na profundeza escura e puxar para fora aqueles que morreram mas que deveriam viver.”
Nota:
Muitos afirmam que Paraíso & Inferno se assemelha e muito com A Desumanização de Valter Hugo Mãe. Infelizmente não li tal livro e por isso não pude fazer uma análise comparativa.
A edição da editora Companhia das Letras está muito bem revisada. Nenhuma ressalva quanto a este ponto.