
Peter Pan: Uma análise da diversão psicológica da obra-prima de J. M. Barrie.

******************************NÃO contém spoiler******************************
Autor: J. M. Barrie (James Mathew Barrie)
Editora: Zahar (coleção clássicos Zahar) / Gênero: Fantasia infantil / Idioma: Português / 224 páginas
Muito mais do que apenas um clássico infantil, “Peter Pan”, a obra-prima de James Matthew Barrie dá vida ao imaginário coletivo e se concretiza como uma válvula de escape para o autor, que personifica sua infância através de um protagonista que representa tanto a ele mesmo quanto a seu falecido irmão, que muito jovem morrera e que assim como o personagem título, não cresceu. Tal clássico com seu narrador onipresente e onisciente e que dialoga com o leitor (intradiegético-heterodiético) nos leva para um mundo encantador, onde o que prevalece é a infância e o que ela nos representa, o poder de nos levar para novos mundos e para aventuras inimagináveis.
Assim como outras obras do gênero como “Alice no País das Maravilhas” e “O Mágico de Oz”, “Peter Pan” tem o dom de ensinar e de criticar paradigmas muito defendidos pela sociedade e que em muitos casos ainda estão presentes nas pirâmides sociais, tornando-a como atemporal, um dos principais elementos de uma obra de tamanha importância como essa. Temos debates acerca da posição da mulher no seio familiar, e muito do que é entregue a nós leitores representa com credibilidade à época em que a obra foi escrita, invalidando qualquer crítica acerca do autor ou do texto aqui resenhado serem machistas. Afinal de contas, toda narrativa é reflexo de sua época, até mesmos as consideradas à frente de seu tempo, já que refletem muitas vezes o surgimento de mudanças de pensamentos histórico-sociais significativas.
“Peter Pan” é entretenimento puro e simples, ao mesmo tempo que é complexo ao nos apresentar camadas psicológicas profundas sobre o ser-humano e sua resistência em lidar com traumas e mudanças. A obra também apresenta elementos que levantam debates sobre o comportamento masculino, através de personagens de comportamentos negativos, tanto na posição do protagonista, do antagonista, quanto dos coadjuvantes. É uma obra incompleta em sua composição narrativa, por apresentar furos e perguntas sem respostas, mas que ainda assim consegue ser rica em conteúdo.
O referido clássico nasceu como uma peça de teatro para só depois se tornar uma obra literária, e é por este motivo que possui diálogos interativos, cenas de cunho dramático, personagens caricatos e momentos cartunescos. O que torna a leitura ainda mais divertida, dinâmica e fluida. Mas se engana quem pensa que o jovem Pan sempre foi o personagem que todos conhecemos e que foi eternizado pelos estúdios Walt Disney Pictures. Foi em 1902 que Barrie lançou “The Little White Bird”, a obra que já apresentaria aspectos que se repetiriam em “Peter Pan.” Em 1904 estreia “Peter Pan” (The Boy Who Wouldn’t Grow Up), a peça de enorme sucesso que viria a ser encenada por sessenta anos. Foi apenas em 1911 que a famosa peça se tornou um livro com o título “Peter Pan and Wendy”, para mais tarde ser renomeada como a conhecemos hoje em dia. No começo Peter era vilão, um jovem que jogava no rio da “Terra do Nunca” as crianças que começavam a crescer, gerando críticas de pessoas que consideravam a obra macabra e inadequada para as crianças. O clássico também possui referências a “Ilha do Tesouro” de Robert Louis Stevenson e a “Moby Dick”, o clássico francês de Melville, sendo considerado inclusive uma sátira do segundo.
A narrativa de Barrie é mágica. Suas descrições e construções de personagens são bem articuladas ao ponto de nos transportar com magnitude para o universo proposto, revivendo a criança que temos em nós. Mesmo Pan tendo comportamentos questionáveis, assim como a fada sininho (a perfeita representação da obsessão e ciúmes), a narrativa é encantadora. Pode e deve servir como uma brecha para que determinados temas sejam inseridos e discutidos na formação das crianças, ao mesmo tempo que esta importante fase da vida deve ser valorizada. “Peter Pan” é uma obra cruel, sinistra, divertida, inescrutável, pedagógica e valorosa. Senti saudades de minha infância e de minha inocência que há muito se perdeu. Mas a obra de J. M. Barrie serviu para alimentar, mesmo que em pouco tempo, o Peter Pan que há em mim (o lado bom de ser criança).
PS. No Brasil a história se eternizou não apenas pela adaptação da Disney, como também graças a versão escrita por Monteiro Lobato e que faz parte da coleção Sítio do Pica-Pau Amarelo. Tal versão apresenta a história bem resumida e quase fiel ao original. Traz acréscimos de questionamentos dos clássicos personagens de Lobato, uma subtrama pouco explorada, mas que debate o racismo e momentos didáticos, característicos de tais obras infantis. É uma boa dica de leitura, leve e rápida e que pode despertar o interesse das crianças pela obra original.
Adorei seu texto