******************************NÃO contém spoiler******************************
Autor: Joe Hill
Editora: Harper Collins / Gênero: Terror e suspense / Idioma: Português / 448 páginas
Joe Hill, um autor, uma decepção. Ou pelo menos é assim que eu o via; tudo graças minha desastrosa experiência com A Estrada da Noite e com o conto A Tribo escrito em conjunto com seu pai, o famoso Stephen King. Mas eis que ao longo dos anos venho me deparando com elogios significativos a suas obras como Nosferatus e Mestre das Chamas, o que aguçou minha curiosidade e me fez repensar se valeria a pena dar mais uma chance ao escritor. Oportunidade esta, que surgiu com o lançamento de Tempo Estranho, uma coletânea de quatro novelas, onde o surreal e as diversas faces do terror é que são os grandes protagonistas. Devo salientar primeiramente, que sim, me surpreendi com o que encontrei e me vi bem imerso nas histórias e em seus estranhos desenvolvimentos. Me deparei com uma escrita mais madura e com ideias pra lá de curiosas. O que não significa que eu tenha achado tudo espetacular.
Escritas ao longo de quatro anos, as novelas aqui reunidas exploram caminhos insanos, onde a loucura está bastante presente e onde o estranho não é apenas uma nomenclatura gravada na capa. Instantâneo, a novela que abre o livro, já nos prepara para as ideias obscuras nascidas da cabeça de Hill, e que iremos encontrar ao longo das mais de 400 páginas. Mas do que se trata esta primeira narrativa? Uma senhora perdida na rua sem saber quem é, para onde está indo e quem é o garoto que a aborda lhe oferecendo ajuda. Não seria uma situação inexplicável e deslocada da realidade, se no dia anterior ela estivesse normal, com suas memórias em dia; e se o garoto que a está abordando não fosse alguém que ela conhecesse mais do que bem, já que foi sua babá e é sua vizinha desde sempre. Tudo piora quando ela afirma estar tendo suas memórias sugadas por um rapaz, dono de uma polaroide e que está tirando fotografias suas, as quais a estão deixando assim, perdida e desmemoriada. O início é interessante, tem momentos tensos e uma estrutura capaz de nos deixar apreensivos. Mas o autor parece se perder um pouco no desenvolvimento (da metade pro final) e nos entrega um desfecho não tão satisfatório assim… o que no meu caso, se repetiu nas demais novelas, infelizmente. A história é boa, apesar de ser cheia de altos e baixos. Os aspectos sobrenaturais são intrigantes e os personagens são bem desenvolvidos. Não supriu minhas expectativas, mas serviu para me impulsionar para as próximas narrativas, me deixando curioso acerca do que mais eu iria encontrar.
Carregado, a segunda novela, já é mais pé no chão, com uma trama mais próxima do real e repleta de críticas sobre racismo, negligência parental, injustiças e falhas sociais e legislativas. Logo nas primeiras páginas nos deparamos com o assassinato de um jovem negro por um policial branco, que atirou afirmando que ele estava segurando uma faca, e que o ameaçou. Mas a questão é que tal objeto ameaçador não passava de um CD. Logo após esta introdução narrativa, temos um salto no tempo e nos deparamos com um crime que levanta um alarde midiático, até que bastante sensacionalista e oportunista para alguns asquerosos personagens. Me reterei nessa breve sinopse para não correr o risco de esbarrar nos temidos e detestáveis spoilers. Mas tal novela é mais que interessante, bem desenvolvida, revoltante e assustadora. Ela é sim mais real, não possuindo nada de tão sobrenatural. Mas como citado no segundo parágrafo, a loucura está presente, mais forte do que em qualquer das outras novelas (pelo menos no que tange a verossimilhança). Ela é macabra por explorar a loucura proveniente do elemento mais assustador que existe no mundo; o ser-humano. Relações familiares, a busca por justiça em um mundo injusto e manipulações criminais. Uma novela que vai fundo na maldade e insanidade humana, através das ações de um personagem que me deu asco enquanto lia e que ainda me desperta sentimentos adversos enquanto tenho o desprazer de lembrar dele enquanto escrevo esta resenha. O desfecho parece agradar a maioria dos leitores, mas sinceramente? Reitero o que já mencionei anteriormente, não gostei tanto assim do final. Terminei a leitura ainda com mais ódio do que senti enquanto lia. Mas independentemente disso; Carregado é em minha humilde opinião a melhor das quatro novelas de Tempo Estranho.
A terceira novela, Nas Alturas, deve ter sido escrita enquanto o autor estava chapado, tamanho sua esquisitice. Brincadeiras à parte, o romance curto da vez traz a interação de alguns personagens momentos antes de saltarem de paraquedas. Enquanto dialogam e vão nos entregando os primeiros vislumbres de suas relações, se deparam com algo estranho flutuando próximo ao avião que estão. Parece ser uma nuvem, mas aparentemente é uma com comportamentos fora do normal, já que se movimenta em direção contrária as demais, contrariando lógicas climáticas; além de possuir um tamanho anormal e parecer e muito com uma nave alienígena. Tudo alcança uma esquisitice ainda maior quando o protagonista se vê em uma situação absurda, tendo a oportunidade de descobrir o que tal OVNI de fato é. É tudo bastante interessante, mas o desenvolvimento é tão weird-fiction (no significado bruto do termo), que me vi curioso ao mesmo tendo que revirava os olhos enquanto lia. Eu gostei (até porque gosto de narrativas absurdas), mas não sei se este meu “gostar” é válido, até por que ainda me questiono se ele é bom, mediano ou ruim. Estranho gostar de algo que não sei muito bem como avaliar. A esquisitice parece não ter propósito, nenhuma metáfora e nem simbolismos que possa explicá-la. Parece ser apenas uma narrativa esquisita, nada além disso. Enfim, é um estranho que vale a pena. Mas não espere respostas lógicas e nem nada excepcional, está bem longe disso.
E a última novela, o grande gran-finale da coletânea, intitulada de Chuva, sofre do mesmo problema da primeira. Começa muito bem, nos instiga, para logo em seguida parecer que o autor se perdeu (do meio pro final). Trata-se de um plot apocalíptico, o que muitos afirmam ser onde reside o grande talento do escritor. Como lidar com uma chuva letal? Como escapar e sobreviver quando no lugar de água começa a chover agulhas? A protagonista, mulher e lésbica (viva a representativa na literatura!), testemunha a morte da namorada e da sogra, vítimas deste estranho fenômeno meteorológico, e por isto decide embarcar em uma viagem para avisar o sogro de tal tragédia. Sua caminhada (meio sem sentido) é repleta de perigos que vão além da sanguinária chuva. O problema pra mim, é que o autor pesa a mão. Temos em excesso personagens lunáticos, diálogos esquisitos e ações que me soaram deslocadas. Eu gostei da história e me vi mais que instigado a chegar ao final. Criei teorias, fui enganado pelo autor e gostei da personagem central. Mas os excessos de Joe Hill me incomodaram; sem contar o clímax que não me convenceu. Achei os momentos finais um pouco corridos e algumas situações muito além do aceitável (me refiro ao final de alguns personagens, muito mal contextualizados). Gostei, mas certamente foi a que mais me decepcionou e o que ao meu ver poderia ter sido a melhor.
No geral, Tempo Estranho é uma leitura válida, repleta de boas narrativas, estranhas em seus cernes mais profundos e bem escritas. Prova que Joe Hill é um autor para se acompanhar e que cresceu como escritor em todos os quesitos. É uma coletânea de romances curtos que fala por si mesma… desde o título até as histórias que a compõe. A estranheza nos encanta, nos instiga e nos alimenta. Talvez seja por isso que o sucesso de tal livro (bastante premiado) não seja exatamente uma surpresa. Como dito magistralmente na sinopse, o terror pode estar em qualquer lugar, e Joe Hill explora com maestria esta afirmação. No caso do livro aqui resenhado, está em suas estranhas narrativas, capazes de despertar os mais estranhos de nossos pesadelos.