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******************************NÃO contém spoiler******************************

Editora: Suma

Autor: Philip Pullman / Idioma: Português / Tradutora: Eliana Sabino / A Bússola de Ouro: 344 páginas / A Faca Sútil 288 páginas / A Luneta Âmbar 504 páginas

Complicado indicar uma trilogia que causa tanta controvérsia. Para ler “Fronteiras do Universo” escrita pelo britânico Philip Pullman, é necessário ter mente aberta e se desprender um pouco de nossas limitações religiosas, para que possamos seguir até o final sem abandonarmos a série ainda enquanto lemos “A Bússola de Ouro”, o primeiro volume. O autor emprega em sua narrativa críticas ferrenhas contra a religião cristã, tratando-a como mecanismo de opressão e de manipulação, sendo portanto, algo que deve ser eliminado. É uma fantasia adulta, considerada erroneamente por muitos como fantasia infanto-juvenil.

No mundo de Pullman, acompanhamos a jornada de amadurecimento de Lyra, uma criança que se vê envolvida na investigação de crianças desaparecidas. Durante a leitura, nos deparamos com diversos elementos mágicos, sendo os daemons um deles; uma extensão da alma humana em forma de animais que com o passar dos anos vão adquirindo uma forma física fixa, uma analogia clara a perda da inocência para a fixação da personalidade e do caráter que tanto nos diferenciam uns dos outros. Temos ursos falantes que usam armaduras, temos mundos paralelos, anjos, bruxas e objetos mágicos (como os que remetem aos títulos das obras). Mas não se enganem, a trilogia traz discussões filosóficas e teológicas de maneiras bem ácidas e bem reflexivas, fazendo alusão a diversas situações históricas, como mulheres que foram queimadas por ordem da igreja por serem consideradas bruxas, até a castração de homossexuais considerados seres pecaminosos.

“… a igreja cristã é um erro muito poderoso e convincente. ”

“Na história [as Igrejas]… tentaram suprimir e controlar todos os impulsos naturais. E quando não podia controlá-los, eles os cortavam”

O autor nos faz pensar sobre o impacto que a religião e a fé tem em nossas vidas e como as mesmas moldam nossas formas de pensar, distorcendo realidades e impedindo o mundo de ser o que deveria ser. Apesar de algumas semelhanças com o nosso mundo, o mundo de “Fronteiras do Universo” apresenta modificações relevantes, como a união das diversas igrejas cristãs que formam a Magisterium, a poderosa organização que controla tudo e todos e que é retratada na série como uma das grandes, senão a grande a vilã. Temos um retardo na evolução industrial, e como meio de transporte temos os zepelins; além de diversas referências a era vitoriana. Temos também explicações palpáveis que ressaltam a evolução do meio científico, focados na metafísica e na física quântica. É um universo complexo que muitas vezes apresentou elementos os quais não consegui captar suas significações. “A Bússola de Ouro” tem em diversos momentos trechos arrastados, mas que nos instigam a querer destrinchar todo o universo. O autor dá diversas pinceladas e pistas para o que virá a seguir, como forma de nos preparar previamente para a grande crítica da obra.

Quando terminei de ler o primeiro volume, achei um tanto quanto exagerada toda a revolta dos grupos religiosos, em especial, o desespero do Vaticano em empregar suas forças em tirar os livros de circulação e impedir o lançamento do filme que ocorreu em 2002 (que aliás, seria melhor se não tivesse sido feito, de tão ruim que é). Embarquei na leitura de “A Faca Sutil”, o segundo volume, tentando entender todo esse desespero e o porquê da trilogia ser considerada herética, ou como os religiosos gostam de afirmar: “Uma trilogia desrespeitosa, pura heresia para crianças e que alimenta o ateísmo das mesmas. ” Encontrei na continuação supracitada, uma estória divertida, com um ritmo mais acelerado e com elementos mágicos ainda mais cativantes. Me deparei sim com críticas à religião cristã (mais compreensíveis) e comecei a desconfiar aonde o autor estava querendo chegar, o que me deixou ainda mais curioso para conferir “A Luneta Âmbar”, o terceiro e último volume, que todos afirmam (ainda hoje) ser o mais absurdo de todos, tamanha a audácia de Pulllman em fazer uma determinada afirmação.

A conclusão da trilogia foi a que menos gostei, não pelas críticas ainda mais pesadas, até porque não sou religioso e concordo com muito do que o autor diz na trilogia (sintam-se à vontade para me julgarem). O que realmente me incomodou, foram alguns elementos esquisitos que não compreendi, alguns trechos corridos demais e algumas cenas de ação que ao me ver deixam um pouco a desejar. É neste volume que o autor entrega com muita coragem o que considero a crítica mais fabulosa e mais afrontosa que já li em uma estória de fantasia. Quando entendi o grande objetivo de “Fronteiras do Universo”, fiquei um pouco chocado e sim, bati palmas de pé para o autor. Não concordo com tudo o que ele diz (através de seus personagens), mas concordo com a maioria de seus argumentos e agora posso dizer que entendo completamente as razões do Vaticano detestar tal trilogia.

É uma fantasia audaciosa que nos leva para um mundo fascinante, mas que desafiará leitores religiosos a questionarem suas próprias fés. Não se trata de uma trilogia rasa. É complexa, incômoda e ao meu ver necessária, por mais que muitos a considerem descartável por não saberem lidar com opiniões que vão contra o que consideram uma verdade absoluta. Afinal de contas, realizarmos determinados questionamentos, como o autor propõe, destrói a verdade que todos defendem; a existência do paraíso e de um Deus justo que irá te proteger após a morte (ou não, se levarmos em consideração os pecados cometidos em vida etc..).

Heresia para crianças? Não concordo, até porque não vejo as crianças como o grande público alvo dessa série. Não acho que uma criança entenderia nem 50% das coisas que o autor diz. Sinto sono com toda essa palhaçada que alguns grupos fazem ao afirmarem que determinados livros são obras satânicas ou heréticas. Desculpem a sinceridade, mas considero tudo isso coisa de gente desocupada.  Ele a escreveu com a intenção de nos fazer pensar através de uma outra ótica. Uma abordagem que nenhum outro autor havia tido coragem de abordar até então.

Eu a indico, mesmo sabendo que muitos irão odiar e que muitos nem sequer irão entender boa parte do que o autor escreve. Mas acho uma leitura válida e muitas vezes imersiva e divertida. Philip Pullman foi e ainda é muito criticado. Mas também é considerado um dos principais escritores de fantasia, e a trilogia aqui resenhada é tida como um dos grandes clássicos da fantasia contemporânea. Uma narrativa que vai muito além de ser apenas uma obra ficcional, e que se firmou como uma das estórias mais significativas já escritas. Um bom contraponto para o que C. S. Lewis fez sem sua grande obra-prima cristã “As Crônicas de Nárnia.”

Curiosidades:

  1. A trilogia em inglês recebe o nome de His Dark Materials, uma referência ao poema épico “Paraíso Perdido” de John Milton, que tem como plot a grande queda de satã.
  2. Temendo represálias religiosas ainda mais mordazes e o fracasso de bilheteria, o diretor Chris Weitz resolveu amenizar as críticas a religião, transformando o filme em algo genérico, o que desagradou os fãs da obra original e que fez com que o filme não alcançasse a bilheteria desejada. Mesmo tendo sido parcialmente elogiado pela crítica especializada e sido vencedor do Oscar na categoria de melhores efeitos visuais, as sequencias foram canceladas. (Graças a Deus!!!)
  3. Desde 2015 a BBC comprou os direitos da trilogia para a produção de uma série, que já está em desenvolvimento e que será protagonizada por Dafne Keen (a X-23 de Logan) e por James McAvoy (o professor Xavier de X-men). Espero que desta vez eles acertem e que não tenham medo de abordar as críticas que a trilogia aborda, doa a quem doer.
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