*****************************NÃO contém spoiler*****************************
(Confira o primeiro “Vale a pena a leitura?”, a resenha da trilogia “A Rebelde do Deserto” clicando AQUI)
O que você espera encontrar em uma história de fantasia? Talvez você tenha pensado em diversos elementos que te agradam quando o assunto é este fascinante gênero. Independentemente do que tenha pensado, acredito que Joe Abercrombie é um autor pra você. Ele não é um autor convencional, que irá te apresentar uma narrativa previsível. Ele também não irá te apresentar nada tão detalhado, repleto de descrições minuciosas à lá Tolkien. Mas ele não decepciona quando o assunto é construção narrativa mesmo que não alcance o nível de outros grandes escritores do gênero.
A “trilogia Mar Despedaçado”, a que será aqui resenhada, trata-se de uma trama engenhosa. Um mini quebra cabeça divertido de ser montado. Yarvi, o protagonista, é um meio-homem, um meio guerreiro e um meio rei. Devido uma deformidade que possui em uma das mãos, o termo designado a ele é exatamente esse, o vocábulo que com significação duvidosa, é aplicado na narrativa como um termo pejorativo que tem a intenção de diminuir possíveis capacidades do personagem central. Após ser traído e impedido de ocupar o trono que é seu por direito, passa a ser considerado morto, sobrevive e promete se vingar.
“Jurei vingar a morte do meu pai. Posso até ser meio homem, mas sou capaz de fazer um juramento por inteiro. ”
“Meio Rei” começa muito bem, apresentando um personagem incapaz de ser um guerreiro, mas que possui uma inteligência assustadora. Ele vai crescendo durante a narrativa e sua relação com os demais personagens é bem desenvolvida. Sua jornada é interessante e os plot-twists inseridos pelo autor de fato surpreendem. A escrita de Abercrombie é simples, objetiva, descritiva no ponto certo e funcional no que diz respeito a tão importante imersão.
A inserção de personagens femininas empoderadas nas continuações traz incrementos importantes não somente no que diz respeito a representatividade. Com tais personagens, os diálogos se tornam mais interessantes e as cenas de ação ainda mais surpreendentes e melhores descritas. Tudo isso a partir de “Meio Mundo” que é sensacional do começo ao fim. A famosa maldição do segundo livro não ocorre com essa trilogia. O segundo volume é alucinante, a protagonista é magnífica em todos os quesitos e o equilíbrio que se cria entre ela e Yarvi é de satisfazer qualquer leitor (acredito eu). Thorn é uma guerreira que não baixa a cabeça, que luta sem medo de morrer e que não é a melhor pessoa para se ter como inimiga. “Meio Mundo” é o tipo de livro que não dá para largar até terminarmos. Alucinante, cheio de ação e com muitas cabeças rolando. Um livro excelente e que quando termina, deixa um vazio que nos faz pegar o último volume quase que na mesma hora.
É importante frisar, que sou um leitor complicado e normalmente tenho problemas com finalização de séries no geral. E com o último livro de “Mar Despedaçado” não foi diferente. “Meia Guerra” parece agradar a maioria dos leitores que inclusive costumam considerá-lo o melhor livro da trilogia. Entretanto, para mim ele não foi funcional em praticamente nada. Senti que o equilíbrio estabelecido nos livros anteriores (em relação aos personagens masculinos e femininos) não se sustentou no tão aguardado desfecho. Acompanhei muito do personagem masculino e não tive quase nada da protagonista feminina. Me decepcionei, me incomodei e me irritei. Algumas mortes ocorrem de maneiras tão breves e pouco impactantes que não me importei com as mesmas; o que me causou um sentimento ruim, já que foram mortes de personagens importantes e não de meros coadjuvantes, que estão ali apenas para aumentar o portfólio de personagens. Sem contar desconstruções que em minha opinião não foram bem executadas. A estruturação narrativa de Abercrombie é de fato muito boa e eu consigo compreender a fascinação que “Meia Guerra” causa na maioria das pessoas que o leem. Mas já acompanhei desconstruções de “verdades absolutas” empregadas de maneiras muito mais verossímeis por autores (desculpem a sinceridade) que deixam Joe Abercrombie no chinelo; como George R. R. Martin, por exemplo. O que ele faz em “Meia Guerra” me soou muito mais como algo juvenil do que como algo aceitável. Mas repito, esta é uma opinião que se destaca por ser uma exceção, já que a maioria dos leitores enaltece este desfecho.
“Mar Despedaçado” é pra quem gosta de fantasias audaciosas, com guerras, muita ação, intrigas políticas, reviravoltas, magias esquecidas/proibidas e vilões para se odiar até sentir dor de cabeça. É uma boa trilogia que vale a pena o investimento, tanto financeiro quanto de tempo. Terminei minha jornada decepcionado, mas ainda assim indico bastante. Joe Abercrombie é um autor que vale a pena ser conferido. Se é fã de fantasia, leia o quanto antes. “Mar Despedaçado” provavelmente irá te chocar e irá te provar que em um jogo político tudo é possível. Te desafio a juntar as peças e desvendar o final antes mesmo dele lhe ser entregue. Uma fantasia excelente e um bom começo para quem deseja ler autores de calibre como George Martin, Brandon Sanderson, Anthony Ryan…. Imersivo e inimaginável! Uma fantasia onde palavras podem ser mais brutais do que espadas.
[…] (Confira a resenha da “Trilogia Mar Despedaçado” clicado AQUI) […]