******************************NÃO contém spoiler******************************
Autora: Christina Dalcher
Editora Arqueiro / Gênero: Ficção feminista / Idioma: Português / 400 páginas
Quando paramos para refletir sobre o papel da mulher na sociedade a qual ela faz parte, analisando principalmente seus movimentos sociais, políticos e expressivos, percebemos o quanto elas ainda lutam para não serem silenciadas. Se pra mim como homem já é complexo refletir e me colocar em tal posição empática, fico a pensar o quão difícil é ser mulher em um mundo que tenta a todo custo rebaixá-las, levando muitas vezes em consideração seus gêneros em detrimento de suas reais capacidades, sejam elas físicas ou cognitivas. Por mais que muitas mudanças já tenham ocorrido desde que a palavra feminismo foi criada em 1837 pelo filósofo e socialista francês Charles Fourier; é inegável ainda hoje a existência de resistências sociais e políticas, quando o assunto é a posição e importância da mulher na sociedade.
Tratarmos o feminismo como um tema de interesse exclusivamente feminino, é um erro perigoso que devemos evitar cometermos. Como trata-se de movimentos sociais, políticos e filosóficos que visam os direitos equânimes e o empoderamento feminino através da libertação da mulher como indivíduo, os resultados de tais lutas irão impactar a todos, independente de seus cromossomos. Portanto, não devemos permitir que sejamos dominados pela inércia quando nos depararmos com injustiças de gênero. Devemos impedir que o tão sonhado progresso não ocorra, tornando-se apenas sombra do passado, originando no regresso que nos levará para o caos social de gênero. A luta pela igualdade deve ser de todos e não apenas das mulheres.
Obras como “Vox” de Christina Dalcher se torna em tempos sombrios leituras incômodas, mas necessárias. Nos mostra uma realidade ficcional não tão distante de se tornar a nossa realidade. Considerado por muitos o novo “O Conto da Aia”, o romance supracitado apresenta um mundo onde o maior pecado que uma mulher pode cometer é falar. Para impedir que atos pecaminosos como esses sejam cometidos além da conta, as mulheres são submetidas a situações absurdas de submissão, perdendo por completo seus direitos e sendo obrigadas a utilizarem em seus pulsos contadores de palavras que as permite falar unicamente 100 palavras por dia. Se para as mulheres tais situações já passam de qualquer limite do aceitável, imaginem como não é para as mulheres trans ou para os homossexuais nesse mundo claustrofóbico, misógino e preconceituoso.
“Como mulheres, devemos manter o silêncio e obedecer. Se precisarmos saber algo, perguntemos aos nossos maridos na intimidade do lar, porque é vergonhoso uma mulher questionar a liderança do homem, ordenada por Deus.”
“Mulher não deve ir às urnas, mas tem uma esfera própria, de incrível responsabilidade e importância. Ela é a guardiã do lar, nomeada por Deus… Ela deve ter total consciência de que sua posição de esposa e mãe, e de anjo do lar, é a tarefa mais santa, mais responsável e régia designada para os mortais; e descartar qualquer ambição de algo mais elevado, já que não existe nada tão elevado para os mortais.”
Ler a obra de Dalcher me deixou muito pensativo e necessitado de mudanças mais frenéticas. Todavia, tenho consciência que esta é uma luta diária; e que devemos libertar mentes ao mesmo tempo que libertamos a sociedade desse mundo construído por sistemas patriarcais. O livro não é perfeito, mas é tão bom quanto a aclamada obra de Margareth Atwood. Sua primeira metade me agradou mais que a segunda. Achei os momentos finais deveras corridos e repletos de situações convenientes demais. Mas a pergunta que ainda permanece comigo (e que o livro ressuscitou em meu ser) e que irei refletir ao longo da vida é: Como é ser mulher nesse mundo dominado pelo machismo estrutural?
Finalizo dizendo que o lugar de fala quando a pauta é feminismo é delas, mas nada nos impede de sermos aliados ativos que colaboram para que tal luta ocorra e para que os resultados sejam benéficos para todos. Já dizia Angela Davis: ” Precisamos nos esforçar para “erguermos enquanto subimos.” Em outras palavras, devemos subir de modo a garantir que todas as nossas irmãs e irmãos subam conosco.”
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