******************************NÃO contém spoiler*****************************
Autora: Sally Rooney
Editora: Companhia das Letras / Literatura YA / Idioma: Português / 264 páginas
Eu poderia falar milhares de coisas sobre Pessoas Normais e mesmo assim não conseguiria expressar com plenitude toda a complexidade e estranheza dessa obra. Me trazendo identificação e momentos de puros monólogos internos, o romance YA de Sally Rooney me foi um processo de leitura desconfortável, necessário e por que não dizer enigmático? Com parágrafos que mesclam a narrativa com os diálogos (algo semelhante com o que temos em Meridiano de Sangue de Cormac McCarthy), a autora desenvolve a história de forma irônica, ácida e crítica sobre um mundo perverso em que pessoas tentam a todo custo se encaixar em lugares os quais não se identificam. Não espere mais um romance jovem de fácil assimilação, que te fará sorrir de forma boba enquanto passa as páginas e pensa nos aspectos bons da vida. A proposta de Pessoas Normais é outra, de forma a nos fazer pensar sobre a vida por um outro panorama; um lado mais sombrio, por vezes torturante, que é com perfeição o espelho da vida real.
Os protagonistas de Sally Rooney são excêntricos, humanos, apaixonantes, complexos e muito reais. Marianne é rica, sofre bullying na escola e possui um relacionamento familiar tóxico que a consome. Connell é filho da empregada de Marianne, jogador de futebol, popular entre os amigos, mas não se sente confortável consigo mesmo. Duas pessoas que tentam se entender, que tentam se aceitar e que entre as estranhezas e dificuldades da vida parecem não se permitir serem felizes. Uma narrativa que incomoda, que ensina, que assusta e que pode vir a despertar algumas lágrimas nos leitores. Com o avanço da leitura, vemos a inversão de papéis, as incertezas e comisserações ebulirem dos personagens ao ponto de quase saltarem das páginas, nos rondando e nos fazendo sentir medo do que o futuro nos reserva.
“Marianne pondera que a crueldade não machuca apenas a vítima, mas também o perpetrador, e talvez de forma mais íntima e mais permanente. Você não aprende nada muito profundo simplesmente sofrendo bullying; mas ao fazer bullying com alguém, você aprende algo de que nunca vai conseguir esquecer.”
“Na última vez que fui pra casa meu irmão me disse que devia me matar.
Num gesto mecânico. Connell se senta com a coluna ereta, tirando a colcha de cima do corpo como se fosse se levantar. Ele gira a lígua pelo interior da boca.
Por que ele disse isso?, ele pergunta.
Sei lá. Ele falou que ninguém teria saudades de mim se eu morresse porque não tenho amigos.”
Pessoas Normais é uma história de amizade, de amor, de aceitação, de patologias psiquicas, de solidão, de depressão e de perdão. Um livro desconfortável, que subverte a normalidade e que com uma estrutura textual experimental, nos entrega uma narrativa instrospectiva que funciona, que traz profundidade ao enredo e que nos aproxima ainda mais dos protagonistas e suas angústias. O que é ser normal? Quão difícil é sermos nós mesmos em um mundo em que a normalidade é definida pela sociedade? Como encarar a crueldade da vida e seguir em frente sem desistir no meio do caminho? Não trata-se de um livro perfeito e muito menos uma leitura pra todo mundo. É complicada, esquisita e talvez por isso mesmo não sei exatamente se escrevo esta resenha com o intuíto falho de indicá-lo. Pra mim foi quase que excepcional, me trazendo reflexões válidas, lágrimas inevitáveis e dores no peito as quais precisava sentir. Pessoas Normais é o estranho necessário; a história de dois jovens confusos e que juntos compatilham os sofrimentos de falhas tentivas de serem normais em um mundo de pessoas anormais.