******************************NÃO contém spoiler*****************************
Graciliano Ramos é um dos escritores mais importantes da literatura brasileira e em Vidas Secas publicado originalmente em 1938, nos apresenta uma narrativa respaldada pelo realismo crítico. Neste romance naturalista, acompanhamos a vida de uma família de retirantes composta por Fabiano (o pai), por Sinhá Vitória (a esposa), pelos dois filhos (o mais novo e o mais velho) e pela cachorra Baleia. Todos estão enfrentando a seca no nordeste e no desenvolvimento da história, vamos conhecendo personagens ocos e nos deparamos com uma escrita árida.
Diante da situação abordada no livro, Graciliano Ramos Humaniza a cachorra Baleia e animaliza o ser humano. Os personagens se consideram parte de um ambiente o qual eles não possuem influência para realizarem algum tipo de mudança em prol deles mesmos. Sendo assim, Fabiano (“o protagonista”) se considera um animal que precisa “aceitar” a situação a qual se encontra e busca o tempo inteiro justificativas para entender o tratamento que recebe de outras pessoas; tidas como superiores à ele por ocuparem um espaço social melhor dentro da sociedade a qual ele e seus iguais fazem parte.
Vivia longe dos homens, só se dava bem com os animais. (…) Montado, confundia-se com o cavalo, grudava-se a ele. E falava uma linguagem cantada, monossilábica e gutural, que o companheiro entendia. (p. 20)
Diferente dos demais personagens; a cachorra Baleia é nos apresentada logo no começo do livro como uma igual. Em nenhum momento ela é retratada pelo autor como um ser irracional. Tem uma capítulo dedicado somente à ela, onde o autor demonstra toda a humanização desta personagem através de uma narrativa triste e racional, onde vemos todo o desdobramento narrativo através dos pensamentos desta emblemática cachorra.
É importante ressaltar, que tal capítulo não é somente genial dentro da minha análise pessoal, como é considerado por muitos críticos literários como um exemplo de perfeição narrativa. Este momento da história é emocionante e dificilmente não irá marcar quem decidir ler esta obra.
O título Vidas Secas é uma escolha mais do que acertada. A secura predomina toda a narrativa e se destaca também nos diálogos apresentados, que são simples e secos. Mas a história não é predominada pela desesperança. Os personagens são sim ocos, mas possuem sonhos que se destacam dentro de uma história cheia de injustiças sociais.
Parece ser uma afirmação controvérsia, dizer que os personagens são ocos mas possuem esperança. Por isso é importante entender que os personagens apesar de serem animalizados, possuem desejos (sonhos) “pobres”, que para muitos podem vir a não significar nada… Mas este nada significa muito pra quem vive em um ambiente rude e desesperador. Portanto, este vazio dos personagens se dá mais pelos seus comportamentos inativos predominantes em 95% do livro, do que pela falta de sentimentos.
Eu tinha a impressão que ao iniciar a leitura desse clássico brasileiro, iria me deparar com uma escrita arrastada. Mas me enganei, pois além da simplicidade que me foi entregue, devo frisar que a leitura é envolvente, fluída, reflexiva e passa longe de ser cansativa.
Assim como no clássico americano O Grande Gatsby onde o verdadeiro protagonista é o capital monetário que manipula os personagens. Aqui, nos deparamos com a seca, que é a grande personagem central da história e que realiza uma manipulação indireta/direta nos “animais racionais” que fazem parte desta obra. É esta manipulação que culmina no final mais do que esperado, mas muito bem escrito e realista.
O renomado autor também não deixa de fazer uma análise mordaz referente à inércia governamental mediante ao problema da seca que assola parte de nosso país. Se utiliza dessa crítica mascarada para nos apresentar uma fala enigmática utilizada pelo “protagonista”. Essa fala tem como objetivo (pelo menos foi o que eu entendi) frisar que o sistema é muito difícil de ser derrotado e que portanto, para muitas pessoas em posição inferior economicamente, só resta se contentar com o mesmo. Pois como o próprio Fabiano diz: “Governo é governo!”
Vidas Secas é um livro enxuto, mas que difere de sua principal característica narrativa. Pois ao terminar a leitura deste livro, fica claro que o vazio está somente nos personagens e na narrativa. Pois a crítica realizada pelo autor é tão palpável e atual que o vazio passa longe da reflexão final que o escritor deixa para o leitor.
A vida é dura, mas essa dureza jamais deve se sobrepor a esperança que temos dentro de nós. Pois a rudeza e a esperança caminham lado a lado, basta encontramos o equilíbrio para sempre corrermos atrás dos nossos sonhos.