******************************NÃO contém spoiler******************************
Obra citada na resenha:
(Confira a resenha de “Memórias do Subsolo” clicando AQUI)
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Se em “Memórias do Subsolo” de Fiódor Dostoiévski acompanhamos a angústia de um personagem são que se vê no meio de uma sociedade alienada; em “Número Zero” de Umberto Eco acompanhamos a narrativa através do ponto de vista oposto, o de quem aliena.
Com uma narrativa ácida, repleta de ironias, Eco desenvolve uma trama protagonizada por um jornalista que se vê perseguido por alguém. O personagem central criado pelo autor, trabalha para um jornal que tem um único objetivo; ganhar notoriedade distorcendo informações e alimentando a alienação social.
As críticas pesadas ao sistema midiático são inseridas e entregues a nós leitores de maneira bem clara, sem papas na língua. O autor parece querer gritar para o mundo que estamos sendo vítimas de um sistema que nos amortece e nos escraviza. O posicionamento de Umberto Eco ecoa pelas páginas e chega inclusive a incomodar de maneira brutal. Em um mar de constante informações e de constantes manipulações, como identificar o que é real e o que é manipulação?
“Não são as notícias que fazem o jornal, e sim o jornal que faz as notícias. ”
“A questão é que os jornais não são feitos para divulgar, mas para encobrir as notícias. Ocorre o fato X, você não pode deixar de falar dele, mas cria problemas para gente demais; então no mesmo número você põe uma das manchetes de arrepiar o cabelo; mãe degola os quatro filhos, a nossa poupança talvez vire pó, descoberta uma carta de insultos a Garibaldi e Nino Bixio e assim por diante… A sua notícia se afoga no mar da informação. ”
A escrita é ágil e parte de posicionamentos narrativos sócio-políticos são bons e neste quesito acredito que o autor alcança seu objetivo. “Número Zero” tem a força de nos fazer pensar sobre o grande cerne da obra. Entretanto, O desenvolvimento dos personagens é precário, pior impossível. Nenhum aspecto construtivo/criativo em relação a eles é aprofundado. São personagens rasos, unilaterais, cujo desenvolvimentos não alcançam o ápice nem quando momentos tensos passam a dominar a trama.
Outro aspecto mal trabalhado é a parte policial. A questão “quem está perseguindo o personagem central?” não traz tanto suspense assim e sua resolução á morna, quase fria.
Tem bons diálogos e boas críticas, como já mencionado. Mas “Número Zero” deixa muito a desejar em muitos aspectos, e assim como um castelo de cartas, a trama não se sustenta por muito tempo. A oscilação narrativa do autor incomoda ao mesmo tempo que agrada pelas reflexões. Um livro que pode servir sim como o contrapeso da obra-prima de Dostoievski citada no primeiro parágrafo. Mas perto do elogiado romance russo, a obra de Umberto Eco é medíocre não em sua concepção, mas em sua execução. Um livro ok (talvez um pouco mais que mediano), mas que infelizmente não passa disso.