*******************************Não contém spoiler*******************************
Autor: Thierry Jonquet / Editora: Record / Gênero: Thriller psicológico / 160 páginas
Alguns livros sobrevivem e permanecem com o leitor. Outros, morrem durante ou após a leitura. Tarântula do autor francês Thierry Jonquet faz com louvor, parte do meu restrito grupo dos que não só sobrevivem, como melhoram e muito depois de eu tê-los terminado. Não me foi uma leitura surpreendente, mas foi uma experiência perturbadora em diversos quesitos. A construção narrativa bastante cíclica e clínica nos imerge em uma trama psicológica obscura e doentia, onde a obsessão caminha de mãos dadas com a objetificação feminina, com os distúrbios emocionais, com a loucura, com o desejo, com a dominação; e acima de tudo, com a identificação em suas variadas formas e contextos.
Com três pontos de vista, Jonquet elabora com maestria um desenvolvimento chocante onde o limite não existe. Richard Lafargue, o cirurgião plástico e protagonista da obra, desperta empatia e nos coloca diante de uma perspectiva perigosa: Até onde podemos ir para conseguirmos saciar nosso desejo por justiça? A ética deve ser deixada de lado em detrimento do que é justo dentro de um entendimento distorcido da realidade humanitária? Ève, a esposa mal tratada, vítima de um relacionamento doentio, desperta muito mais do que empatia; desperta revolta diante de uma sociedade misógina, onde a figura feminina é vista quase como um pedaço de carne para ser consumido e utilizado como aprouver seu “protetor” masculino. E Vincent, o jovem delinquente, desperta curiosidade e nos confronta, nos oferecendo um olhar cru sobre os diversos tipos de violência, suas consequencias e o destino que elas podem nos sucitar.
Tarântula é muito mais do que um simples thriller psicológico. É um verdadeiro estudo da psique humana e do quanto justiça e injustiça podem ser perigosamente encaradas como subjetivas. É um romance incômodo ao mesmo tempo que é agradável – no mais estranho sentido que o psicológico pode ser. É uma trama ágil, bem estruturada e que mesmo que seja óbvia, surpreende pela audácia do autor em cavalcar as profundezas do lado negro do ser-humano. É um livro pra chocar, pra nos fazer refletir e pra nos colocar na posição irreversível, onde como meros leitores, passamos a encarar o monstruoso como o correto a ser feito diante da monstruosidade do outro. Aqui, não há espaço para amenidades. Em Tarântula, o que prevalece é o obscuro, a tensão, a desumanização e a violência nua e crua – mas não sem propósito.
No mais, fica o questionamento: O que nos tornamos quando perdemos aquilo nos torna humanos? Uma pergunta interessante que permanece comigo, cuja resposta ainda não encontrei.
Curiosidade: Lançado em 1984, o já considerado clássico da literatura psicológica de Jonquet, deu origem em 2011 ao aclamado filme A Pele Que Habito de Pedro Almodóvar.