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******************************NÃO contém spoiler******************************

O que dizer de um livro sobre viagem no tempo protagonizado por uma personagem negra e que se passa em uma triste época de nossa história? Octavia E. Butler me surpreendeu com uma narrativa incomoda, mas que é necessária. A mesma já se inicia com uma frase chocante que instigou minha curiosidade desde o início. Uma frase que já prepara o leitor para o que ele irá encontrar.

É uma narrativa chocante com cenas explícitas de violência que incomoda pela situação exposta e pela inanição da protagonista diante de várias situações. A autora utiliza da metáfora viagem no tempo para expor aos leitores uma crítica bastante dramatizada (no quesito narrativo) sobre a opressão de uma raça sobre outra.

Com “Kindred: Laços de Sangue”, a autora colaborou significativamente com um gênero denominado “Neo-Slave Narrative” que tem como principal proposta, como o própria nome já indica, situar a narrativa em um contexto onde o pano de fundo seja a escravidão.

Apesar de ser considerado um clássico da ficção-científica, segundo o professor Robert Crossley da Universidade de Massachusetts, esta classificação é uma classificação bastante errônea. “Kindred: Laços de Sangue”, não deve ser encarado como ficção-científica porque não possui ciência em seu núcleo de desenvolvimento narrativo. Mesmo que a trama aborde a situação de Dana, uma negra de 1976 que se vê viajando de uma hora para outra de volta à época da escravidão, o romance de Butler não é ficção-científica e sim fantasia especulativa.

A personagem central se vê perdendo sua liberdade de uma hora para outra; precisando encarar e se readaptar a uma nova realidade exercendo um papel fundamental para a sua história e existência. Algo semelhante com o que Margaret Atwood faz em “O Conto da Aia. ”

Com o drama de Dana, a autora força o leitor a refletir sobre condições desumanas e sobre as relações dos personagens. “Kindred: Laços e Sangue” é uma obra que junta ficção especulativa com  ficção histórica. Apesar de ser uma trama envolta com viagem no tempo; não há a problematização deste assunto como ocorre normalmente em livros de ficção-científica.

Ter lido “Kindred: Laços de Sangue” depois de ter lido “…E o Vento Levou” fez com que eu colocasse sobre Octavia E. Butler uma visão mais crítica. A obra de Margareth Mitchell é citada por Butler e alguns assuntos são meramente semelhantes. Esperava me deparar com uma disparidade intelectual maior que transbordasse através dos diálogos, colaborando com a verossimilhança da história. Não sei como ficou a tradução, mas no original (em inglês) não há nada que diferencie a maneira de falar dos negros em relação com a dos brancos. Além de eu ter ficado esperando descrições mais minuciosas que reforçassem o período histórico.

O que a autora faz é genial. Ela tece uma narrativa que dá voz à personagens que eram constantemente negligenciados na literatura. Um clássico incrível, mas que pra quem ama o gênero de Isaac Asimov, já fica o aviso… O que você irá encontrar é um drama de fantasia especulativa com um pé no realismo.

Octavia E. Butler é sim considerada a dama da ficção-científica, mas não por “Kindred: Laços de Sangue” e sim por suas outras obras que possuem uma carga científica muito mais palpável e visual. O livro em questão é uma leitura recomendável; reflexiva, irritante e necessária. Uma leitura obrigatória para quem deseja enriquecer a bagagem literária no que diz respeito à obras conscientizadoras como a aqui resenhada.

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