******************************NÃO contém spoiler******************************
Autora: Conceição Evaristo
Editora: Pallas / Coletânea de contos / Idioma: Português / 116 páginas.
Como regredir no tempo de forma “inevitável”, entrar em contato com as dores de Olhos D’água é como voltar a ser aquele que um dia estava prestes a conhecer as dores do mundo. Como uma flor que desabrocha, mas que vencida pelo tempo regride ao ponto de sumir se fundindo ao vento e ao tempo, eu, eu mesmo, o desavisado leitor da obra, sofri uma regressão ao término da leitura. Mas que regressão foi esta? A dor que me dominou, a falta do amor e a vã tentativa de tentar entender tanta dor e desamor, me tornaram no portador de uma nova dor, uma sensação comum aos leitores que se deixam dominar pelas palavras do escritor, o deus da ficção e da irrealidade, reflexo muitas vezes da realidade do mundo que muitas vezes negamos em enxergar.
A luz do kindle brilha de forma tênue se unindo a luz da lua que entra pela janela e ilumina meu quarto enquanto passo pelas páginas de Olhos D’água. Estou atento e meus olhos estão embaçados. Meu coração parece diminuir e por mais revoltante que muitas situações se apresentem, pareço não ter forças para reagir tamanha tristeza que me domina. A poesia da escrita de Conceição Evaristo mesclada com a realidade nua e crua da comunidade afro-brasileira em situações precárias, parece ser o grito de aviso da autora. Um aviso de que já passou da hora das coisas mudaram. Já passou da hora de vivermos em um mundo mais justo e consciente de suas injustiças e desequilíbrios sociais. Precisamos de uma consciência mais ativa e menos amortecida.
A cada conto que lia minha posição se alterava. De sentado ia me deitando. Meus olhos outrora “secos”, se encontravam agora molhados. Como o próprio título da coletânea, passo a ter – sem a principio perceber – olhos d’água. Meu coração se acelera e eu grito sem emitir som algum; como alguém incapaz de gritar. “Oh Deus!! Por que tanta dor e injustiça? Qual o sentido de tanta miséria e desfechos tão dolorosos?” Sinto que volto a ser uma criança, um ser que aos poucos vai conhecendo o mundo e suas nuances sociais. Entre denúncias, afirmações e negações, Conceição Evaristo berra aos quatro vezes e compartilha as dores de mulheres, crianças e homens. De seres humanos pertencentes de uma parcela da sociedade renegada socialmente.
Mas a positividade textual prevalece, apesar de tudo. Uma positividade em que escrever é, certamente, “uma maneira de sangrar”; mas também de invocar e evocar vidas costuradas “com fios de ferro” – porém aqui preservadas com a persistente costura dos fios da ficção, em que também se almeja e se combina, incansavelmente, não decerto a imortalidade, mas a tenaz vitória humana, a cada geração, sobre a morte.” [Heloisa Toller Gomes – trecho tirado da introdução a obra]
Termino o último conto em posição fetal, me tornando espelho de um personagem da autora. Meu regresso foi emocional e de adulto me sinto como um feto, alguém que ainda não nasceu e que portanto não sabe lidar com as dores da vida. Me afogo em um mar de lágrimas, e é aí que percebo que choro. Na janela de meu quarto escuto as sensíveis gotas de uma chuva que se inicia. Percebo com dor no coração que não choro sozinho; o mundo chora comigo.