*****************************NÃO contém spoiler*****************************
Autor: Ken Follet
Editora: Rocco / Gênero: Ficção histórica / Idioma: Português / 944 páginas
944 páginas… quase 1.000 páginas de puro entretenimento do mais imersivo, incômodo e brutal que se pode imaginar. Considerado por muitos como um dos maiores e mais importantes romances históricos dos últimos anos, Os Pilares da Terra escrito por Ken Follet e lançado em 1989, ressignifica a ficção-histórica, retratando de maneira fidedigna um período de ambições, guerras, costumes e a luta pelo trono da Inglaterra. Explorando a fundo os conflitos políticos e as relações que dela advém, Follet ambiciosa e arquiteta sua trama de forma mordaz, não nos poupando das brutalidades situacionais que transformam por vezes a leitura em algo indigesto, cuja malevolência de tão impactante experiência nos desafia a adentrarmos e caminharmos pelo tempo e pelas páginas como se transportados fôssemos; como senão nos fosse dado outra opção a não ser explorarmos com os personagens, tão vívidos e importantes acontecimentos a nós relatados.
Seria um erro crasso se eu afirmasse aqui e agora – como muitos fazem – que a aclamada narrativa trata-se da construção de uma catedral. Não que tal fato não ocorra e não seja de vital importância para a trama e para seu desenvolvimento como um todo. Contudo, Pilares da Terra trata-se muito mais sobre os personagens que movimentam a narrativa, do que sobre a catedral em si. Orbitando ao redor de tal construção, a narrativa caminha de forma ágil, se sustentando em alicerces como fé, superstições, justiça, paixões e ambições. Tendo como pano de fundo a expansão da igreja e sua influência sobre o Estado, a trama se consolida como um excelente estudo histórico ficcional e psicológico dos personagens e do período em que a trama se situa; impossibilitando de a classificarmos de forma frívola como apenas uma narrativa sobre a construção de uma catedral.
Os imensos capítulos ajudam na estabilização estrutural da trama, mas também desequilibram por vezes o ritmo. O que não nos impede de devorarmos as páginas como se não houvesse o amanhã. Todavia, os mesmos podem despertar aos leitores a estranha sensação de infinitude e talvez cansaço. Tudo dependerá do nível de sua imersão e ligação com a trama e seus personagens. Dividido em diversos pontos de vista, Pilares da Terra entrega dinamismo e subtramas extremamente interessantes, onde cada personagem exerce com assertismo os papéis os quais são designados. Mesmo que alguns ganhem destaque de forma talvez tardia, tal escolha não soa como desconexa – pelo menos não deveria – ou como relapso do autor, o que apenas uma leitura atenta pode ressaltar e nos fazer entender com mais amplitude suas decisões e posicionamentos narrativos.
De todo modo, por mais que eu tenha tido um processo de leitura significativo e bastante positivo – o qual eleva e muito minha avaliação final acerca do aclamado romance inglês – não posso deixar de ressaltar alguns pontos talvez negativos, que não apenas me incomodaram como me passaram uma percepção de desequilíbrio e exageros do autor. Mesmo em se tratando de uma narrativa histórica, em que a verossimilhança com o que é retratado se faz necessário, Pilares da Terra sofre pelos excessos de cenas de estupro, que muitas vezes parecem estar presentes apenas com o intuito de nos chocar e de evidenciar o comportamento de um determinado personagem, que já estabelecido na trama, passa a não precisar mais desses reforços textuais e situacionais que se repetem e que trazem a tona momentos que mais irritam do que demonstram relevância para a narrativa.
Outro grande excesso é a constante sexualização das personagens femininas, que por mais que apresentem caracterizações empoderadas e papéis de destaques dentro do robusto romance, sofrem pelo machismo da época que se justifica em um primeiro momento pelo período retratado, que é bem apresentado e explorado pelo autor. No entanto, as repetitivas interlocuções dos personagens a respeito de suas visões “masculinas” sobre as mesmas, se torna mais um aspecto, que não podado pelo escritor, se destaca pelo exagero. E por último, mas não menos importante, Pilares da Terra peca pela estagnação comportamental de suas figuras ficcionais, que mesmo diante de bons desenvolvimentos e desfechos, não apresentam durante boa parte da narrativa comportamentos mutáveis que caminhem lado a lado com as passagens de tempo e suas respectivas alterações ambientais; o que transmite a sensação de que a trama evolui, mas os personagens não. Em conseguinte, Pilares da Terra é um livro de fôlego, que oscila, que por vezes incomoda, mas que consegue se manter como uma narrativa de alto nível mesmo diante de suas inconsistências e exageros textuais. Sem sombras de dúvidas um romance como poucos, que prova que algumas obras já nascem clássicas.