“A confissão e outros contos cariocas”: a humanidade sem efeitos especiais
Por Jana Lauxen*.
Nos últimos anos, a literatura abriu definitivamente os braços para personagens míticos: vampiros, lobisomens, mutantes e super-heróis tomaram conta dos enredos de contos e romances. Talvez por isso, posso dizer que, enquanto leitora, nunca me senti tão atraída por personagens humanos – demasiado humanos, como já diria Nietzsche. Gosto de pegar um livro nas mãos e perceber que não há nenhum efeito especial mirabolante na elaboração da personalidade de cada personagem; gosto da identificação, gosto de me reconhecer – e os que me rodeiam – nas obras que leio.
Porque existe, no homem comum e na própria humanidade, algo de extraordinário, para muito além de poderes sobrenaturais. O ser humano, por si só, já é mítico e complexo o suficiente.
Dito isso, foi com alegria e entusiasmo que iniciei a leitura da obra A confissão e outros contos cariocas, quarto livro do escritor Paulo Ouricuri, lançado em dezembro pela Editora Novo Século.
Paulo é velho conhecido da minha estante. Li seus três primeiros livros, todos de poesia, e gostei de cada um. Portanto, quando Paulo anunciou que estava para publicar seu primeiro livro de contos, me animei, e fiquei só esperando a oportunidade de ter o meu em mãos.
O que aconteceu há cerca de quinze dias. Os Correios deixaram em minha casa um exemplar de seu último livro e, apesar de ser uma leitora noturna, nem esperei o sol se pôr para começar a me aventurar pelo universo literário criado por Paulo Ouricuri. O resultado: 48 horas depois o livro havia sido devorado, e eu estava com aquela sensação faminta de ‘quero mais’.
A confissão e outros contos cariocas reúne oito histórias, que versam sobre temas bastante atuais, bem conhecidos da maioria de nós: fé, violência urbana, vingança, pornografia, poesia, dramas familiares, casamento, beleza. De modo que é praticamente impossível o leitor não se identificar com a obra e seus personagens. E foi precisamente esta característica que mais me atraiu e prendeu no livro: o espelhamento, a identificação, o reconhecimento.
Paulo Ouricuri demonstrou, em seu primeiro livro de contos, que é um observador nato – algo fundamental para escrever sobre estes tempos modernos, e dialogar com a realidade, criando uma obra capaz de refletir uma época bastante emblemática da nossa história: a transição do analógico para o digital, e as extremas mudanças enfrentadas pelo homem do século passado que adentra em um novo século, e precisa se encontrar e se entender em meio a tantas mudanças.
Eu nasci em meados dos anos 80; logo, posso dizer que vivi metade da minha vida na era analógica, e a outra metade na era digital. E ter um pé no passado e outro no futuro é mais difícil do que pode parecer.
Por isso, afirmo sem medo de errar que A confissão e outros contos cariocas é um livro para todas as gerações. Seja aquela que conheceu a TV em preto e branco, ou aquela que já nasceu com um tablet na mão, a obra de Paulo Ouricuri conversa com clareza e sem subterfúgios com a nossa realidade, e com estes tempos de tantas mudanças em núcleos sociais que pareciam inabaláveis.
Paulo Ouricuri ainda alcançou uma façanha rara em seu primeiro livro de contos: falar sobre o cotidiano, e sobre o homem comum, com a grandeza e a excelência que o cotidiano e o homem comum merecem.
Porque em um mundo tão cheio de mudanças e novidades, não há nada mais mítico do que ser humano – demasiado humano.
* Jana Lauxen tem 31 anos, é editora, produtora cultural e escritora, autora dos livros Uma Carta por Benjamin (2009), O Túmulo do Ladrão (2013) e O Duplo da Terra (2016). Já publicou em mais de quinze coletâneas, e organizou dez, algumas em parceria com outros escritores.
É responsável pelo Projeto Nascedouro da Editora Os Dez Melhores, e ministra palestras e oficinas literárias gratuitas para alunos de escolas públicas.
Contatos: osdezmelhores@gmail.com / www.janalauxen.blogspot.com