(CONFIRA A RESENHA DE “PERSÉPOLIS” CLICANDO AQUI)
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“Não nascemos corajosas, nos tornamos.”
A libertação empregada na narrativa intimista construída por Marjane Satrapi em “Bordados” é de deixar qualquer um no mínimo surpreso. Diferente do que encontramos em “Persépolis”, “Bordados” é algo íntimo, dentro de um contexto narrativo limitado, onde experiências sexuais são compartilhadas. Não me entendam mal; “Persépolis” é tão íntimo quanto. Não poderia deixar de ser, como qualquer obra autobiográfica. A questão é que vemos em “Bordados” uma narrativa íntima compartilha (como denomino este tipo de narrativa), onde vemos um grupo de mulheres em um ambiente único, dividindo seus traumas, seus medos e suas experiências sexuais como forma de libertação expressiva; dentro de um contexto histórica e político, onde ser mulher e se expressar era uma dádiva que deveria ser aproveitada.
É importante frisar, que quando cito narrativa intimista, jamais quero dizer que o que você irá encontrar nesta HQ é algo parecido com o que Clarice Lispector desenvolvia em suas obras. Não temos aqui um fluxo de consciência unilateral. O que temos é sim um aspecto comum neste tipo de construção narrativa. Um mergulho íntimo em suas psiques, em seus traumas, em suas formas morais de enxergar o mundo e em suas esferas femininas. Mas tudo isso compartilhado uma com outra e obviamente também com o leitor.
“Bordados”, o título analógico, se refere tanto ao momento em que as mulheres iranianas se reúnem para bordar e conversar abertamente sobre questões relacionadas a suas vidas, quanto ao procedimento cirúrgico de reconstituição do hímen em que muitas se sujeitam, para se readaptarem socialmente e acima de tudo, para serem aceitas por seus futuros maridos. Não casar virgem, não é uma escolha… É uma exigência proveniente de uma sociedade machista, que as oprime de todas as maneiras possíveis.
“Persépolis” e “Bordados”; duas obras que se complementam. Muito parecidas e muito diferentes entre si. A primeira, um desabafo completo, um romance de formação gráfico que entrega ao leitor uma viagem histórica e psíquica sobre a jornada de Satrapi por culturas e por autodescobertas que viriam a moldá-la como ser-humano, como mulher e como ativista. Já a segunda, uma narrativa bem mais simples, limitada, mas tão importante quanto. Claro que o meu apego emocional com Satrapi, obtido na leitura de “Persépolis”, colaborou para que eu não me decepcionasse com a leitura desta segunda HQ. Se tivesse lido “Bordados” primeiro, teria talvez achado tudo raso demais. Mas tendo lido na ordem que citei, a HQ em questão passou de rasa para um complemento intimista necessário e prazeroso.