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Grande Sertão: Veredas | “Uma análise do árido ao místico de João Guimarães Rosa”

por | set 19, 2025 | Resenhas, Resenhas de Livros | 0 Comentários

******************************NÃO contém spoiler******************************

De Ulysses em Odisseia a Dante em A Divina Comédia, Grande Sertão: Veredas desestabiliza a ordem natural das coisas, invertendo e mesclando leitor e figura fictícia em uma jornada que vai sem ir, que chega sem saber aonde e que se questiona o que ser e porquê ser aonde Deus parece não existir. Trata-se de veredas tortuosas, desafiadoras, secas e sanguinárias, onde o Diabo nos pega pelas mãos e nos guia entre arvoredos e vegetações de um ambiente em que o amor resiste e o ódio sobrevive. Falar de Grandes Sertão: Veredas é estudar ancestralidade, é nos colocarmos frente a frente as tranformações e invenções linguísticas, literárias, regionais, políticas e acima de tudo, nos forçarmos a prosseguirmos em um mar de palavras que formam uma narrativa de desconstruções sintáticas e hibridismos que só seriam capazes, vinda da mente daquele que muitos consideram uma divindade entre os mortais.

O ano era 1908, onde Machado de Assis falecia e João Guimarães Rosa nascia – quase como uma passagem de bastão – , dando para o futuro o já predestinado nascimento daquele que se formaria ao lado Memórias Póstumas de Brás Cubas, os grandes e mais importantes clássicos de nossa literatura.

Mas do que se trata o monumento colossal de Rosa? Este é um dos questionamentos que muitos se fazem e que uma resposta nunca encontram. Complicado definirmos algo cuja definição não existe ou cujas simplórias explicações empobreceriam em demasiado tão complexa narrativa. O que podemos dizer é que o maior clássico da literatura brasileira do século XX, trata-se de relatos de um homem que nasceu pra amar, pra desafiar e pra não desistir diante da vida. Riobaldo, mais do que o jagunço que se apaixona por outro jagunço, é a personanificação da resistência humana em que nem o Diabo consegue aniquilar. Trata-se sobretudo de um romance de transformações artísticas, onde a arte sobrepuja os arquétipos literários existentes, colocando leitor e literatura como meros coadjuvantes diante do que muitos consideram o divino de nossa produção literária.

“Nunca vi coisa assim! É a coisa mais linda dos últimos tempos. Estou até tola! A linguagem dele, tão perfeita também de entonação, é diretamente entendida pela linguagem íntima da gente.” Clarisse Lispector

Importante salientar para os desavisados de plantão, que Grande Sertão: Veredas flerta com o fluxo de consciêcia, mesmo que não o seja; já que o que temos nesse renomado romance é um diálogo que também flerta com o monólogo. É um bloco direto de texto, sem quebras, sem intervalos e sem descanso. Semelhante com o que Saramago costuma fazer. Quase como entrar em uma jangada e irmos rio abaixo… sem rumo, sem destino e apenas com a coragem e esperança de que a jornada será recompensadora – o que de fato é. Um travessão se abre e se fecha apenas quando a última palavra é dita.

Polêmico? Talvez. Cansativo? Talvez. Complexo e magnífico? Com certeza. Exige leitura morosa, atenta, as vezes em voz alta, as vezes com repetidas releituras de trechos e exige mais do que tudo, perseverança dos leitores, para que entendam que alguns livros podem ser apenas lidos, enquanto outros exigem ser apreciados e analisados mais do que apenas superficialmente… É a literatura em sua forma mais completa.

Tido por alguns críticos como uma resposta a Sertões de Euclydes da Cunha, o Sertões de João Guimarães Rosa é considerado mais lírico, mas grandioso, mais real e também mais fantasioso. Nos enriquece, mas também nos aflinge. Nos desperta admiração, mas também nos fadiga. Nos desperta sorrisos e olhares atentos; mas também nos desperta angústia. Onde Deus e Diabo se enfrentam, Grande Sertão: Veredas diz muito sobre a condição humana e sobre a regionalidade do Sertão, uma terra sem lei em que se Deus quiser existir e resistir, terá que vir armado – é o Meridiano de Sangue das Terras Tupiniquins – . Grande Sertão: Veredas brinca com o folclórico e se reiventa através de uma estrutura que pode ser tudo o que quiser. É uma obra realmente impressionante em que eu tive por um momento a felidade de ser ao lado de Riobaldo e Diadorim, o Ulysses de Guimarães Rosa.

Confira também as resenhas:

Memórias Póstumas de Brás Cubas / Meridiano de Sangue / Odisseia / A Divina Comédia / Todos os Contos de Clarisse Lispector

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